quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O NADA.


John Lennon tirou onda com sua "Nothing Box" e afirmou categoricamente que "Nothing is Real". Faz um tempão. Menos tempo, porém, do que outro John, o Cage, que em 1952 brindou o público com 4 minutos e 33 segundos de absoluto silêncio, fazendo de 4'33" uma de suas mais famosas criações.
Recentemente diversos nadas têm cruzado meu caminho. Parece que me perseguem, querendo transmitir alguma mensagem cifrada ou coisa parecida. Esta semana mesmo, lendo o "Rascunho", descobri que José Castello não consegue escrever se não começar anotando no alto da página a palavra "nada". Mais adiante, ele menciona o "Livro sobre nada", de Manoel de Barros, obra que me encantou há algum tempo. Fez-se aquele "ôpa!" de quem de repente descobre um integrante da mesma tribo. Logo na primeira página, o livro cita um texto de Flaubert (1852), confessando-se a uma amiga: "O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada". E Manoel de Barros vai mais fundo: "Mas o nada do meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo etc, etc. O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora." O que se vê a partir dessa introdução é um desfile de genialidades tão profundas quanto pueris, água cristalina e refrescante deslizando sobre pedras fofas, parênteses a nos proteger da racionalidade embrutecida que se autoproclamou dona do mundo.
Quanto mais testemunho a cultura da insaciabilidade que nos cerca, mais me convenço de que é o nada que nos falta. Cabeças andam cheias demais para discernir, corações, pesados demais para flutuar. É no nada que nosso espírito se areja e que nossas ideias encontram espaço para darem umas piruetas, virarem cambalhotas, sapatearem. É no nada que a visão se aclara e o "tudo" revela suas verrugas e joanetes. Exige desprendimento, desapego, e uma boa dose de desexercício, mas vale a pena, e não custa nada.

domingo, 19 de agosto de 2012

A POLÊMICA COELHO X JOYCE CABERIA NUM TUÍTE





Causou furor a declaração de Paulo Coelho sobre o livro mais emblemático de James Joyce, assim como causou deleite a matéria da Folha de São Paulo (17/8), publicando em destaque no "Ilustrada" os tuítes de vários autores (inclusive do próprio Coelho) com a redução das mais de mil páginas de Ulysses ao implacável limite dos 140 caracteres. Cabe? Claro que sim. Nos dias de hoje, cabe tudo, só não cabe direito. Dizer que a vida é "nascer, crescer e morrer", por exemplo, seria uma certeira redução dessa coisa imensa que é viver. Certeira, eu disse, não correta. Faltam as tramas, as nuances, e sem elas nada se explica direito, tudo perde o sentido.
Reunido com publicitários de vários países há alguns anos, fizemos um exercício baseado na carência de tempo do público e na superficialidade do mundo atual. Consistia em reduzir ao formato do Twitter grandes romances e filmes. Não foi tão difícil assim, e ficou bem engraçado. Nossa proposta era aguçar o poder de síntese e chegar à essência das ideias, nunca tentar desenvolvê-las. A formulação de uma ideia sempre pode ser curta, a maneira como ela evolui não. E uma obra de arte, assim como a vida, não se restringe à sua ideia central, ela só existe com a evolução da ideia.
O que foi interpretado como ofensivo na declaração de Paulo Coelho nada mais é do que o óbvio.  Twitter é o exercício do óbvio, do superficial, do peteleco. Nada mais do que isso. Mas diverte.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O DIA EM QUE CHAMEI LENINE PRA TRABALHAR DE GRAÇA



Bastou um email, assim na seca, endereço obtido com meu parceiro na composição da música, sem que eu nunca tivesse encontrado, sequer falado com o artista. Lenine estava fazendo shows na Europa. De lá mesmo topou participar, nem pestanejou, apoiado por empresário, produtora, toda a entourage. Depois foram só ajustes de agenda, sem maiores cerimônias. Nico Rezende cedendo o estúdio, Cinerama Brasilis fazendo a produção, Paulo Netto dirigindo, tudo no amor, como é praxe nos 10 anos de vida do "Ser diferente é normal". Jeito diferente de fazer (fidelidade absoluta ao nosso lema), totalmente fora dos padrões vigentes nesses dias monetarizados que vivemos, um escândalo de cooperação, afrontando as ferozes leis do mercado. Revolução? Não chega a tanto, talvez um sacode bem dado. E o melhor de tudo é que foi altíssimo astral. Nada de favor, nada de fazer corpo mole, nada de nadismo. Estávamos alegres, vibrando, nos fartando de energia positiva. Nesse trabalho, a felicidade foi a remuneração de todos. E continua rendendo juros.