sábado, 16 de junho de 2012

HAPPY BLOOMSDAY

É hoje. Que outro personagem de romance tem um dia em sua homenagem, feriado nacional na Irlanda? Tinha que ser um personagem publicitário. Tinha que ser um autor corajoso o bastante para apostar numa ideia simples ( um dia comum na vida de um homem comum ), apresentada de maneira desconcertante, inovadora, complexa, beirando o inexpugnável.
Ulysses não envelhece. Continua até hoje provocando nossa imaginação e desafiando nossa inteligência. Não só pelo mergulho radical no fluxo da consciência, nem pelas palavras inventadas que povoam a narrativa, nem pelo monólogo de Molly Bloom, com suas mais de 50 páginas sem pontos, vírgulas, pausas, concessões. Ulysses também nos brinda com altas frases, como "O amor ama amar o amor"; e ensinamentos básicos de publicidade, como "Para uma propaganda é preciso repetição", ou "Melhor lugar para um anúncio que atraia os olhos de uma mulher é o espelho", ou associando propaganda com religião "Rogai por nós. E rogai por nós. E rogai por nós. Boa ideia a repetição. O mesmo com anúncios. Comprai de nós. E comprai de nós". Insiste no valor da repetição como estratégia de mídia, mas não se repete, deixando claro (alguma coisa tinha que ser clara nesse livro) que o encantamento do conteúdo é o que torna a repetição saborosa.
Joyce emitia sinais de desequilíbrio mental. Ou seriam apenas sintomas de genialidade?
Profetizou que sua obra continuaria sendo alvo de estudos por uns 200 anos. Talvez não imaginasse que esse prazo poderia ser maior, até eterno, quem sabe? Mas tinha perfeita noção dos males causados pela obviedade, e da neutralização da concorrência que só o pensamento sofisticado consegue produzir.
Como está dito em seu livro, "uma história é boa até que a gente ouve outra". Melhor manter o público o maior tempo possível dentro da nossa história, sem dar ouvidos às tantas que circulam por aí.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

SOBRENATURALIDADES POÉTICAS



No momento em que reflito sobre o espaço que a poesia ocupa em nossas vidas, passeio de bobeira pelo blog do José Castello, onde me deparo com a seguinte frase: A POESIA É A ÚNICA PROVA CONCRETA DA EXISTÊNCIA DO HOMEM.
Quem disse essa preciosidade foi um poeta guatemalteco já falecido, chamado Luís Cardoza y Aragon.
Não satisfeito em nos brindar com esse achado, Castello desenvolve o tema, afirmando que "a poesia nada deve a ninguém. A ciência tem suas teses e suas demonstrações. A religião, seus dogmas. A filosofia se ampara na armadura dos conceitos. Só a poesia não precisa de artefato algum para afirmar nossa existência." Outro achado.
Difícil acrescentar qualquer coisa a um raciocínio tão cristalino. O fato é que de repente me senti como quem, escavando despretensiosamente, descobre um sítio arqueológico. E nesse sítio encontra uma revelação milenar do naipe das previsões Maias, e aí fica bolado, com medo de ter ido fundo demais nessa história. Eu, hein!

DIRETO AO QUE INTERESSA

De que interessa ter Mário de Andrade numa exposição que trata de ecologia? De que interessa ter uma exposição ecológica chamada HUMANIDADE 2012 quando o mundo está economicamente mal das pernas? De que interessa ilustrar o texto deste post com uma foto de outro texto?
O raciocínio dos detentores do poder é o movido pelo interesse em mais poder. A mesma lógica se aplica aos detentores do dinheiro, e aos que, não detentores de nada, se avizinham de quem detém alguma coisa, só pra ver se pegam uma rebarba.
Mudar de atitude é o que sugere nosso Mário. Nem seria tão difícil assim, não fosse o tipo de atitude que ele sugere mudar: a interessada.
Do interesse a gente não escapa. Mesquinho ou nobre, interesse há de existir. Só que agora os interesses estão convergindo. Os mesquinhos, com medo de perder suas posses, começam a entender que é mais negócio se unir aos nobres, com coragem de lutar pelo futuro. Nada de muito especial, apenas o bom e velho interesse. Nada de heróico, apenas medo. Nada de sofisticado, apenas falta de opção.

Parece que finalmente estamos todos de acordo, ou quase. Que bom? Resta saber se ainda há tempo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

ADEUS, RAY BRADBURY!

"Quando a morte ataca, você deve pular e agarrar o bote salva-vidas e correr para a sua máquina de escrever." Era assim que Ray Bradbury encarava o que de alguma forma poderia intimidá-lo. Dizia também: "Toda manhã, pulo da cama e piso num campo minado. O campo minado sou eu. Depois da explosão, passo o resto do dia juntando os pedaços."
Comecei a me ligar no seu trabalho há pouco tempo. E achei o cara surpreendentemente inspirador. Muito mais profundo do que jamais imaginaria ser um autor de ficção científica.
Com Ray aprendi a valorizar mais a poesia. Vejam só que ironia. Seu primeiro conselho para quem escreve é ler poesia diariamente, como um exercício para o espírito, como suplemento alimentar que nos ajuda a re-significar a vida e redimensionar as palavras. Aprendi também a olhar o futuro com outros olhos e a enxergar o ofício de escrever como algo que de repente ganha concretude. Foi ele que, ancorado no alicerce de seus livros, desenvolveu o conteúdo do Spaceship Earth, a famosa atração do Epcot Center. Foi ele quem enunciou que "os primeiros homens e mulheres desenharam sonhos de ficção científica nas paredes das cavernas."
Na palestra "Poetas do Consumo" que fiz mês passado na ABL, Ray Bradbury foi o autor mais citado, tamanha a impressão que me causou seu trabalho. A leitura de seu livro "O Zen e a Arte da Escrita" fez com que eu me tornasse seu fã. Hoje, ele partiu. Aos 91 anos. Com muita vida pela frente.