quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A MEMÓRIA TEM FUTURO.

A frase título deste post é de Gonçalo M. Tavares, em seu livro Uma Viagem à Índia, o mesmo livro em que ele diz que "o inesperado não tem fórmula, e mesmo o passado tem coisas que ainda amanhã serão surpreendentes". O livro é recente (2010), dividido em cantos, narrado em forma de poema, tudo pra ser taxado de chato-antigo, não fosse ele uma epopeia tão vanguardista que se dá ao luxo de terminar com um gráfico sobre a melancolia contemporânea, fazendo lembrar os efeitos visuais na abertura de Matrix. Lusíadas pós-moderno, por que não?
Surpreende-nos tantas vezes a ousadia e contemporaneidade de obras criadas há um tempão, ou a possibilidade de transformá-las em algo inteiramente novo, do mesmo modo que somos pegos no contrapé por antigas ideias repentinamente alçadas ao patamar de hits da atualidade, como se ninguém se lembrasse de que existem há décadas, guardadas numa gaveta que só esperava por uma boa arrumação. De velho a vintage ou de ultrapassado a cool, estalam-se os dedos e pronto. A reciclagem é um fato indiscutível, inevitável e, acima de tudo, bem-vindo, nenhuma área escapa à sua órbita.
Só os idiotas não aprendem com a história, e atravessamos um momento em que a história cresce em relevância por nos oferecer o abraço confortante que a velocidade supersônica-megabytica insiste em negar. A segurança escapa pelos dedos, e só a reencontramos quando nos avizinhamos de territórios já visitados. Saudade é sentimento que só rola em relação ao que nos trouxe alguma felicidade, todo mundo sabe. Saudade até daquilo que não conhecemos tão bem, mas que nos devolve a um tempo em que ser feliz era - ou parecia ser - menos complicado. Daí filmes como O Artista e a Invenção de Hugo Cabret, revisitando e revalorizando os alicerces da sétima arte. Daí Paul McCartney gravando as músicas que antecederam e inspiraram os Beatles. Daí um grupo de jovens arrastando multidões no Carnaval carioca pra cantar e dançar com o Sargento Pimenta que eles não chegaram a vivenciar quando ainda era Sargeant Pepper. Daí as voltas e revoltas que esse mundo dá, e a coincidência de até na hora de escolher nossos artefatos tecnológicos estarmos ligadíssimos na mais essencial das perguntas: o quanto eles têm de memória?

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