quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

E O FIM DO MUNDO, HEIN?


O assunto não poderia estar mais batido, mas, perdoem, é agora ou nunca. Quando é que teremos um outro fim do mundo tão animado pra celebrar? A virada do milênio foi aquele fiasco, e na próxima oportunidade pode ser que a gente já tenha morrido de causas não-apocalípticas ou, em outras palavras, o mundo tenha acabado para nós (eus?) em versão "private", o que, convenhamos, é bem mais chique do que sair morrendo por aí no meio da massa ensandecida.
Em artigo publicado no Globo, dia 18/12, Arnaldo Jabor, destilando humor-pessimismo, faz previsões de que "teremos nostalgia de um presente que não sentimos e saudades de um futuro que não para de 'não' chegar". O passado, segundo ele, "será chamado de depreciação". Na sequência de um texto deliciosamente bem construído, fala-nos do terrorismo como hábito cotidiano, de campos de concentração cinco estrelas, do fim do amor romântico, da arte, da piedade...
Embora de visão bem mais otimista que o Jabor, adoro quando ele explode em broncas, porque seus estilhaços brilham e fazem pensar.
Estamos vivendo um período de grandes choques, disso ninguém duvida. De opiniões, de convicções, de poderes públicos, choques éticos, morais, religiosos, políticos, sociais, psicológicos, econômicos, ecológicos, térmicos. E a cada choque, ainda que a duras penas, vemos surgir alguma luz. Destróem-se os elementos colidentes para gerar novas energias. Nada de escombros. Apenas verdades aprimoradas, extraídas do embate, a que podemos chamar "evolução".
Nosso mundo é um jogo cheio de emoções, repleto de perigos, ameaças, vilões e heróis pra todos os gostos. Mas é um jogo, acima de tudo, educador, que, em vez do "game over", segue nos surpreendendo com mudanças para fases cada vez mais complexas, e nos ensinando a lidar com elas, e nos mostrando que somos capazes de realizações inimagináveis.
Vem aí um 2013 com problemas sem fim e conquistas idem. Que venha! Estamos prontos.

sábado, 1 de dezembro de 2012

UM PAÍS SE FAZ COM PILANTRAS E LIVROS



A senha usada pelos bebês de Rosemary para propina era "livros", segundo noticiado hoje pelos jornais. Muito significativo para a ex-secretária de um ex-presidente que sempre se vangloriou de sua escassez cultural, e fez questão de preservá-la, mantendo distância da leitura mesmo em tempos de notória ociosidade. Talvez essa característica do chefe tenha sido determinante para a escolha da senha. Ele nunca prestaria atenção a um email que negociasse a entrega de livros, deve ter pensado a ardilosa secretária (dou essa ideia de presente para os militantes que a essas horas estão elaborando os enredos que livrem nosso míope, distraído, multi-apunhalado-pelas-costas ex-supremo mandatário de mais um desfile de irregularidades ocorrido debaixo do seu nariz). Pelo que a polícia já apurou, nunca na história deste país tantos "livros"circularam nas esferas federais. Vai livro, vem parecer favorável. Vai livro, vem liberação disso e daquilo. E continuamos nós vendo surgirem, nas páginas da imprensa golpista amparada pelas elites do sei lá mais o quê, uma plêiade de personagens que desafia a criatividade de qualquer ficcionista.
Irônico ver essa revelação acontecendo quando a atual presidente, em sábia decisão, resolveu o debate dos royalties do petróleo e os vinculou à educação. Ufa! Nem só de mensalões e outras baixarias vive nossa política. Palmas pra Dona Dilma que, justiça seja feita, tem se esforçado bravamente para limpar a barra de seus "companheiros" e administrar os coquetéis molotov que deixaram em seu gabinete. Mas assusta imaginar estarem os ratos do poder, neste momento, sorrindo maquiavelicamente ante a possibilidade de encaixarem os "livros" de Rosemary na estante (ou seria gaveta?) dos livros de verdade, quem sabe criando o Ministério da Leitura, ou melhor, uma nova agência reguladora, parente da ANA e da ANAC, que, pra debochar bastante dos milhões de otários brasileiros que pagam fortunas em impostos, bem que poderia se chamar ANALFA.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

LIVROS E LUZES


O display iluminado que destaca "Sobrevoando Babel" em três Livrarias da Travessa no Rio, me fez pensar no  protagonista de "Em Busca do Tempo Perdido". Acho que ainda não surtei, mas não posso garantir que juntar pontos tão distantes não venha a ser diagnosticado mais tarde como algum distúrbio psicológico, quem sabe até provocado pela leitura, esse perigoso hábito que afetou radicalmente a vida de Don Quixote e tantas outras figuras ilustres que agora não vêm ao caso.
O fato é que, desde muito jovem, o personagem de Proust caminha sob a luz dos livros (como lê aquele menino!), e se projeta para o livro que, sonhando escrever, sem se dar conta, já escreve. Caminhar é o verbo perfeito em qualquer narrativa, né? É o que fazemos quando seguimos os vários cursos que nos preparam pra seguir cursando, desenvolvemos raciocínios, percorremos páginas ou simplesmente atravessamos os dias de nossas vidas. Viver é caminhar, já dizia o para-choque de um caminhão. Mesmo aparentemente parados, seguimos em frente no ritmo imposto pelo relógio que, mancomunado com as batidas do coração, impulsiona a imaginação até quando dormimos. E caminhar no escuro não costuma ser uma boa ideia. Daí, de vaga-lume a holofote, toda lanterna é farol.
Sob os efeitos do período sabático que ainda desfruto, "Em Busca do Tempo Perdido" parece um título feito de encomenda. Seria minha definição do que tento fazer com o domínio de agenda que hoje me privilegia. Talvez por isso, minha cabeça viaje tão fácil de Babel a Combray, de minhas modestas/rápidas 207 páginas de sobrevoo às quase 3 mil da histórica obra proustiana, cujos lentos e ricos passos partem pelo Caminho de Swann em direção ao grande sentido das pequenas coisas.
Viu só? Um display iluminado, coisa pequena. Dele partiu todo esse papo cabeçudo, se espalhando como luz... deixa pra lá. Não, acho que ainda não surtei, estou apenas com mais tempo para observar o que me rodeia e elaborar alguns pensamentos, o que não é necessariamente positivo, dependendo do que enxergamos e do caminho escolhido para a elaboração. Mas que o danado do display ficou bonito, ah, isso ficou!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

SOBREVOANDO O QUE SE ESCONDE EM BABEL.



Gustave Flaubert diz que "um autor em sua obra deve ser como Deus no universo, presente em toda parte e visível em parte alguma". B. S. Johnson, através da mãe de sua personagem Christie, diz que "Deus vai inventando as coisas à medida que avança, como alguns romancistas".
Muitos já repetiram que escrever é brincar de Deus. E já tiveram que responder milhões de vezes às clássicas perguntas: São seus os sentimentos e experiências dos personagens de seu livro? Em quem você se inspirou para criar o personagem x? Aquele personagem ali é você, né?
Engraçado. E ao mesmo tempo profundo. Ninguém precisa escrever sobre o que si mesmo. Livros não são obras confessionais, embora alguns excepcional e assumidamente o sejam. Mas não há dúvidas de que todo mundo só escreve com o que tem, de observações, reflexões, crenças, opiniões, cultura, estoque vivencial.
Quem me lê em "O Deus da Criação", "E. O Atirador de Ideias" e no recém-lançado "Sobrevoando Babel", pode ter a impressão de estar lendo três autores diferentes, ou confundir minha variação temática e narrativa com indefinição de personalidade. Talvez queira tentar me conhecer, mais até do que eu mesmo me conheço, sem se dar conta de que a grande viagem da existência é o processo de auto-descoberta, e de que lendo e escrevendo exercitamos nossa compreensão do mundo, de nós mesmos, de nossa capacidade de lidar com dificuldades, ultrapassar obstáculos, aceitar o outro e conviver harmoniosamente.
Do pouco que li e ouvi do tanto que foi escrito e dito sobre o trabalho criativo/literário, muita coisa marcou e ficou (tenho ainda tanto a aprender!), mas o que se destacou até agora foram duas dicas de Ray Bradbury: "Obliquidade é tudo" e "Sempre haverá problemas. Deus seja louvado por isso. E soluções. Deus seja louvado por isso." Um outro ângulo de observação do assunto. Uma outra forma de inserir Deus na história. E, por tabela, a deliciosa confirmação de que o dom de criar (concedido a todas as pessoas) é a prova mais eloquente de nossa herança divina.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

É DISSO QUE SOBREVOANDO BABEL TRATA.



A sequência de títulos dos comentários sobre livros mostrados na edição de novembro da "Poder" parece mensagem cifrada: PESSOAS. SEM PAZ. GLOBAL. FANTÁSTICO. POP.
Quando soube que havia uma nota sobre meu livro na revista de Joyce Pascowitch, tive duas reações positivas imediatas. A primeira, pelo prestígio e qualidade da publicação; a segunda, pela adequação do título "Poder" à temática de Sobrevoando Babel.




Gostei muito da nota, gostei muito de vê-la numa revista sob medida para meu livro, e achei FANTÁSTICO ter na mesma página PESSOAS SEM PAZ SOBREVOANDO BABEL (GLOBAL), frase que resumiria bem o contexto da obra. Faltou apenas encaixar a última palavra, até porque a última palavra pertence ao leitor. Mas que eu tentei uma narrativa POP, garanto que tentei (rssss).

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A IRONIA FINA DO MR. LARANJA MECÂNICA


Anthony Burgess brinca com a genialidade. Atribui o sucesso do seu mais famoso livro, por exemplo,  à adaptação cinematográfica dirigida por Stanley Kubrick, a quem não poupa elogios. Mistura de humildade com pés no chão, em tempos de maior excitação com telas do que com páginas.
Num ensaio de 1973 (e atualíssimo) recentemente publicado pelo Estadão, seu parágrafo inicial é um dos melhores exemplos de ironia auto-depreciativa que conheço. Copiei de lá pra destacar aqui:

"Sou, por ofício, um romancista. Acredito tratar-se de um ofício inofensivo, ainda que não venha a ser considerado respeitável por alguns. Romancistas colocam palavras vulgares na boca de seus personagens e os descrevem fornicando e fazendo necessidades. Além disso, não é um ofício útil, como o de um carpinteiro ou de um confeiteiro. O romancista faz o tempo passar para você entre uma ação útil e outra; ajuda a preencher os buracos que surgem na árdua trama da existência. É um mero recreador, um tipo de palhaço. Ele faz mímica e gestos grotescos; é patético ou cômico e, às vezes, os dois; ele faz malabarismo com palavras, como se estas fossem bolas coloridas."



sábado, 3 de novembro de 2012

DE REPENTE, VEM UM VENTO E...


O poeta Claufe Rodrigues não se inspirou em Sandy, mas bem que podia. 
Escreveu seus versos antes da Frankenstorm assombrar a Costa Leste dos Estados Unidos, participante indesejada de um Halloween sem trick or treat. Escreveu com doçura e bom humor, certamente sem levar em conta o lado sombrio da natureza.

Lembrei-me dele depois de voltar de Nova York, susto passado, banho tomado, sono reconciliado, ideias saindo da toca pós-vendaval. “Vejo beleza em tudo o que vejo, porque sou poeta e me alimento do que é belo”, diz Claufe, e segue:

Ante meus olhos
Baleias viram sereias
Sirenes tocam sinos.
Tenho a alma de um menino
Que ainda está para nascer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê…
(…)
Vejo beleza nas ruas secundárias,
Mais do que nas avenidas principais.
Vejo beleza nos velhos caminhando nas praças,
Nas meninas comendo pizza nos shoppings,
Até no motorista que avança os sinais,
Enquanto os pedestres passam apressados,
Prestes a enlouquecer.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...
Vejo beleza no mínimo e no máximo,
No desperdício e no básico,
No popular e no clássico,
Na música e no barulho,
No vício e na virtude.
Vejo beleza até quando não vejo,
Quando beleza é só o desejo de ver.
Sou o dono do meu tempo
Mas de repente vem um vento e eeeê...

Numa metrópole dominada pela trilha sonora das sirenes, com a TV acompanhando cada passo e cada rastro deixado pelo monstro, com gente vagando pelas ruas em busca do que comprar, ou impedida de ir e vir pelo transporte que não há, falta quase tudo, mas permanece a beleza, o sentimento coletivo e a solidariedade que ventos não conseguem levar. E quando, no meio da tempestade, percebemos que já não somos donos nem mesmo do nosso tempo, de repente vem a poesia e eeeê. Estamos salvos.

sábado, 20 de outubro de 2012

ESCREVENDO NO ESCURO.


No início, breu total. Vasculham-se gavetas da memória, enquanto os olhos aprendem a distinguir silhuetas na escuridão. Requer disciplina e paciência. De repente, delineia-se uma ideia. Melhor escrever logo antes que se dissipe. Poucas palavras, telegráficas, quase cifradas, pra futuro desenvolvimento. O processo ideia-anotação se repete por algum tempo, até que dias, semanas, meses ou mesmo anos depois, repassamos o que foi registrado. Como numa corrida de espermatozóides, a ideia que merece vir à luz salta à frente, trazendo na cauda um fio piscapiscante. Desse fio é tecido o enredo, ou não, dependendo de como o pisca-pisca evolui do estágio inicial de soluço para o da consistência narrativa. Se não evoluir, volta-se à pescaria de ideias, acontece, nada de pânico. Há que se manter a serenidade, mesmo quando tateamos nas trevas. No fim das contas, tudo se resume à iluminação gerada pela própria ideia e ampliada pelo exercício de desenvolvê-la. Daí pra frente, é só uma questão de gramática.


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

NA IMINÊNCIA DE.

A Bienal de Arte de São Paulo fala da "Iminência das Poéticas". Gostei mais da conceituação do que dos trabalhos expostos, talvez uma síndrome de nossos dias onde a teoria parece satisfazer mais do que a prática. Explica-se a intenção de um filme, a forma inovadora de sua captação, e pronto, qualquer bobagem na tela serve. Explica-se a estratégia de uma ação de marketing, de preferência utilizando recursos tecnológicos sofisticados, e isso basta para que ela seja dispensada de fazer sentido.
 O texto de apresentação da Bienal é notável. Diz que "a iminência é o signo de nossos dias: um mundo cada vez mais complexo, mais fraturado em sua aparente globalidade; o maior conjunto de memória artificial da história e a maior epidemia de memória natural; a maior reunião de imagens e provavelmente a maior soma de artistas". Muito bem dito e bastante assustador com sua sequência de maior isso, maior aquilo - a quantidade se debruçando ameaçadoramente sobre a qualidade. As iminências chegam em bandos e só tendem a aumentar, melhor aprender a lidar com elas. Vivemos na beirinha de derrapar na curva, de perder o emprego, de mandar o emprego embora, de chutar o balde, de votar no candidato errado, de sofrer um ataque terrorista, de explodir, de perder o rumo, de descobrir uma doença grave, de escrever uma bobagem online que vá nos perseguir pelo resto da vida, de fazer algo que os outros considerem genial, de sermos flagrados por câmeras de segurança em situações comprometedoras, de vencer, de fracassar, de brilhar, de não sair do lugar. Pro bem ou pro mal, tanto faz, as iminências não têm critério. Heróis forjados pelas circunstâncias, resta-nos a cara e a coragem. A cara, muitas vezes de pau, sempre dada a tapa, símbolo máximo da coragem, esta sim, indispensável.
Viver sob o signo da iminência requer uma coragem porreta, e não há como negar o quanto de poesia emana do simples risco de estarmos vivos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

MEUS PERSONAGENS PAULISTANOS



Podia partir de Nova York, Shangai, Tóquio… Mas partiu de São Paulo.
Podiam ser parisienses, londrinos, moscovitas… Mas são paulistanos.

 Sou carioca, seria mais fácil situar meus personagens no Rio. Só que não estou em busca de facilidades, pelo contrário, adoro desafios. E não há qualquer irresponsabilidade em minha escolha, tenho extenso currículo de ponte aérea, trabalhei durante muitos anos lá e cá, conheço bem o espírito da pauliceia, e sei o quanto esse espírito está conectado com o momento Brasil Bola da Vez. Claro que há um motivo maior por trás da minha decisão: a história. Um livro que lida com a babelização, perdão, com a globalização, tem que partir obrigatoriamente de nossa metrópole mais destacada no cenário econômico planetário. É pra estar ali, ombreando com os grandes centros decisores do mundo, duelo de gigantes, não dá pra vacilar, tem que escalar nosso campeão dos pesos pesados. Oh, yes, nós temos Babel! E não se trata exatamente de um lugar, é um jeito de lidar com as expectativas, com os outros, com a vida. Impossível de localizar no GPS, está por aí, sobrevoando a gente o tempo todo, vive dentro de personagens como Douglas, Amanda, Guilherme, Ismênia, Victor, Valéria, Júlia, Cíntia, Ingrid, Ludmila, Laurent, Paula. Babel está instalada em nossas cabeças, é uma epidemia global.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

MATÉRIA EXIBIDA HOJE SOBRE LANÇAMENTO DE SOBREVOANDO BABEL NO RIO

http://videos.r7.com/publicitario-adilson-xavier-lanca-romance-em-livraria-carioca/idmedia/505c4d28e4b0773b3dd26269.html

Record. Nome da editora que lançou meu livro, nome da emissora que produziu e veiculou a matéria que está no link acima. Empresas sem nada em comum além do nome, e de terem se encontrado no lançamento do livro. Feliz coincidência.

Noite inesquecível ontem na Livraria da Travessa do Leblon.
Fiquei cercado de gente querida por todos os lados, abençoando a decolagem para o sobrevoo de Babel e comemorando a alegria de sermos companheiros de viagem.
Dentre as presenças marcantes (e foram muitas), não poderia deixar de registrar o mestre Antonio Torres que, como se não bastasse abrilhantar o livro com a orelha que escreveu, fez questão de abrilhantar também a festa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ANTONIO TORRES SOBREVOANDO BABEL


Ter um escritor do calibre de Antonio Torres na orelha de Sobrevoando Babel, cerca o trabalho de brilhos e paparicos dourados. 
Segue abaixo o texto com que o mestre turbina, adorna e abençoa meu livro:
"Passageiro de primeira classe, que viaja muito, e bem — “pela mais legítima e deliciosa obrigação profissional” —, decola em mais um voo sobre o Atlântico, subindo para o Olimpo, confortavelmente só e salvo em sua trajetória de big boss a cruzar os céus da Babel pós-tudo cheio de orgulho de si mesmo e de fé no seu deus: o Mercado. E com segredos confiados a uma passageira de outro avião, e um revólver na bagagem — já causador de um trauma —, motivo de uma adrenalina a mais no seu desembarque. Em Paris.

“Douglas Emiliano Gomes, especialista na arte de estar por cima. Muito prazer”.
Presidente no Brasil de uma indústria de cosméticos, a Lindholm Svartsnaider Beauty, esse poderoso chefão se deleita com as vantagens do seu cargo (entre outras, “o distanciamento estratégico da matriz europeia”), e se diverte em quebrar as duríssimas normas internacionais da empresa, pondo sua ambição desmedida acima de qualquer regra de conduta.

Pronto. Eis aí um caso exemplar de personagem brasileiro inserido na era globalizada, o que tanto tem seduzido nossos autores, sobretudo os mais novos.

Sobrevoando os esforços bem ou mal sucedidos nessa direção, Adilson Xavier foi longe. Neste seu novo romance, ele esbanja conhecimento do mundo corporativo multinacional, da relação promíscua (para dizer o mínimo) entre as empresas privadas e o poder público, do vale-tudo (vá lá) neoliberal na busca da ampliação dos seus domínios around the world. Ou là-bas, numa língua mais cosmética da nova Babilônia.

É sobre tal background que Adilson Xavier tece, com segurança, uma trama de intrincados fios, enovelando os relatos da sua figura central aos contrapontos de um elenco de personagens que mais parecem saídos de um roteiro de um filme de suspense. Conclusão: com uma surpresa atrás da outra, a cada capítulo, Sobrevoando Babel prende você à poltrona do embarque até o ponto final. Boa viagem."

Antonio Torres

TENSÃO PRÉ-LANÇAMENTO




Ontem fui ao lançamento de um livro na mesma livraria carioca onde vai acontecer o lançamento do meu: a Travessa do Shopping Leblon. Lá, empilhados sobre um balcão, estavam os convites impressos anunciando aos frequentadores da livraria que meu livro também frequentaria aquele ambiente dois dias depois (neste exato momento, apenas um dia depois).
Ontem também soube que um problema de impressão na capa faria com que os exemplares do meu livro só chegassem à livraria pouco antes do horário previsto para o início do lançamento: 19h. Para quem sofre até com festinhas de aniversário como eu, está formada a situação ideal para insônias, taquicardias e afins. Ontem, pensando bem, foi ainda agora. Escrevo este post no início da madrugada. Não disse? Maldita insônia! O lançamento do meu livro já é amanhã, assim sem mais nem menos, não se pode confiar no tempo. Pânico. Será que tudo vai dar certo? Tic, tac, tic, tac... Será que as pessoas vão lembrar que é nesta quinta e não na outra (teve gente que apareceu lá na quinta-feira passada, já soube)? Tic, tac, tic, tac... Será que esse suspense vai nos levar a um final feliz? Tic, tac, tic, tac... Não percam amanhã todas as respostas. Tic, tac, tic, tac... Na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, hein! Não vão errar de Travessa. Tic, tac, tic, tac...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

MENSALÃO E AVENIDA BRASIL SE FUNDEM NUMA SÓ NOVELA

Depois da matéria de capa da Veja no fim de semana, a segunda-feira começa com a revelação de que Marcos Valério gravou um vídeo onde conta tudo sobre o Mensalão. Bombástico, eletrizante e milimetricamente coincidente com o momento em que as fotos de Carminha e Max se tornam eixo da trama na novela das 21h.
Mais esperto do que Nina, Marcos Valério depositou as cópias do seu vídeo em cofres bancários, fora do alcance de possíveis Maxes. Conhecendo a fundo seus ex-parceiros, não seria tão ingênuo a ponto de deixar provas tão preciosas em locais de fácil acesso. Sabe do que esses personagens são capazes, e usa seu trunfo para não virar arquivo morto, vítima de misteriosos desfechos. PC Farias, da novela anterior, que o diga.
Parece que um roteirista irônico (seria Deus?) alinhou ficção e realidade na mesma curva narrativa, talvez para sublinhar o quanto o julgamento em curso no Supremo significa para o amadurecimento e a moralização das instituições no Brasil. Já que novela aqui faz tanto sucesso, por que não novelizar a política, dando-lhe toques de dramaticidade que a coloquem no dia-a-dia das pessoas, nas conversas de família, nos papos em mesa de bar?
Começa agora o julgamento do núcleo político. Há fortes indícios de que novos personagens, de altíssimo escalão inclusive, podem se incorporar à trama, e tudo indica que brevemente saberemos quem é quem nessa história. Na novela é mais fácil, os vilões são óbvios e as incongruências de roteiro perdoadas em nome da necessidade de fidelizar a audiência. Na vida real, é preciso estar mais ligado. Parece haver mais Carminhas do que suporta o estômago mediano, mais podridão e, diferentemente das bem cuidadas produções televisivas, um monte de canastrões no elenco. De olhos bem abertos, vamos nós acompanhando cada capítulo, torcendo para que o bem vença no final e lamentando a avenida de lixões em que o Brasil se meteu. Nossa grande vantagem é a interatividade. Nada melhor do que aproveitar outra coincidência - a das eleições, para usar nosso direito de interferir na história. É moderno, eficaz e super-civilizado.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

ONDE É QUE EU ESTAVA COM A CABEÇA QUANDO RESOLVI ESCREVER ESTE LIVRO?



Marcia Tiburi disse numa entrevista que "quando escreve literatura, você se dá o direito de não viver segundo a lógica da racionalidade dominante. Você pode ser poeta, você pode ser louco, você pode inventar mundos - você é livre e não precisa justificar nada para ninguém". Acho que foi isso que me motivou, mas não preciso achar nada. O bom de escrever é deixar fluir as ideias sem ter muitos porquês entre elas, até o ponto de nos surpreendermos com o que nós mesmos escrevemos, e acharmos graça quando nos pegamos buscando explicações. Não tenho muita noção de onde estava minha cabeça enquanto escrevia Sobrevoando Babel, mas tenho certeza de onde estava meu coração, e ele batucava feliz. A tal lógica da racionalidade dominante está ocupando mais espaços do que devia. Pronto, escrevo contra ela, taí uma boa e desnecessária explicação. Talvez eu escreva porque preciso empunhar uma bandeira. Não, não, heróico demais, muito bobo isso. Bobeira, por que não? Escrevo como quem passeia, de bobeira, sem métricas ou cobranças, pelo simples prazer de bater pernas e teclas. Mas que por trás dessa despretensão tem uma coisa muito séria rolando, ah isso tem. E como não curto muito esse negócio de me levar a sério, prefiro devolver a palavra pra Marcia Tiburi: "O nosso sistema econômico só torna as pessoas cada vez mais otárias. E a literatura faz com que elas sejam menos otárias, e quanto mais você questiona a literatura que lê, menos otário fica". Ôpa! Escrever para ser questionado. Boa causa. Vai ver que é isso.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

RIO DE JANEIRO, DOS CORPOS ESCULTURAIS.



Não vamos falar das figuras sensuais de sempre. Estão deitadas na areia, passeando pelo calçadão, desfilando sua beleza exaustivamente cantada em verso, prosa e cantadas propriamente ditas. Óbvio demais insistir em cantá-las, melhor deixar que continuem, livre e descuidadamente, provocando encantamentos pela cidade.
Vamos falar de figuras que nos visitam. De corpos que chamam a atenção pela reflexão que propõem e pela coincidência de estarem em exibição ao mesmo tempo, no mesmo Rio, agora definitivamente assumido como palco de todas as artes.
Os corpos de Antony Gormley, por exemplo, começaram ameaçando suicídio, mas, parados na beirinha dos prédios, enxergaram tanta coisa interessante que decidiram seguir vivendo. Instalaram-se no Centro Cultural Banco do Brasil onde, ora de pé, ora encurvados, ora amontoados no chão, ora pendurados no teto, nos falam de tortura, pau-de-arara, extermínio, e vida. Nos falam da maldição e da bênção de sermos corpos, vocacionados para a liberdade ao mesmo tempo que enjaulados em formas limitadoras.
Os corpos de Alberto Giacometti (curioso: dois escultores com as mesmas iniciais), apesar de também forjados em metal, têm discurso tão diverso quanto o ferro de um diverge do bronze do outro. Alongam-se e deformam-se como que tentando exteriorizar o que possuímos de mais interno. Lembram-nos de que, reduzidos à essência, somos quase linhas, quase sombras, quase dignos de pena em nosso destino retorcido. Em Giacometti, recheando os espaços do MAM, há os que se deslocam, os que se manifestam e os que apenas observam, como solenes massais contemplando seus domínios. Chama a atenção que, nem os corpos de Gormley, nem os de Giacometti, dêem valor especial ao rosto e, apesar disso, consigam transmitir um vasto pout-pourri de emoções. Tudo indica que delegaram a exclusividade do rosto para Awilda, de Jaume Plensa, que emergindo da enseada de Botafogo, fecha os olhos e deixa que a brisa lhe fale aos ouvidos. Expande-se em meditações, sem se importar com os carros que passam ou as pessoas que passeiam, para deixar bem claro que somos todos pensantes, imaginativos, sonhadores e gigantes, infinitamente maiores que nossos corpos.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O NADA.


John Lennon tirou onda com sua "Nothing Box" e afirmou categoricamente que "Nothing is Real". Faz um tempão. Menos tempo, porém, do que outro John, o Cage, que em 1952 brindou o público com 4 minutos e 33 segundos de absoluto silêncio, fazendo de 4'33" uma de suas mais famosas criações.
Recentemente diversos nadas têm cruzado meu caminho. Parece que me perseguem, querendo transmitir alguma mensagem cifrada ou coisa parecida. Esta semana mesmo, lendo o "Rascunho", descobri que José Castello não consegue escrever se não começar anotando no alto da página a palavra "nada". Mais adiante, ele menciona o "Livro sobre nada", de Manoel de Barros, obra que me encantou há algum tempo. Fez-se aquele "ôpa!" de quem de repente descobre um integrante da mesma tribo. Logo na primeira página, o livro cita um texto de Flaubert (1852), confessando-se a uma amiga: "O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada". E Manoel de Barros vai mais fundo: "Mas o nada do meu livro é nada mesmo. É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo etc, etc. O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. O nada mesmo. Tudo que use o abandono por dentro e por fora." O que se vê a partir dessa introdução é um desfile de genialidades tão profundas quanto pueris, água cristalina e refrescante deslizando sobre pedras fofas, parênteses a nos proteger da racionalidade embrutecida que se autoproclamou dona do mundo.
Quanto mais testemunho a cultura da insaciabilidade que nos cerca, mais me convenço de que é o nada que nos falta. Cabeças andam cheias demais para discernir, corações, pesados demais para flutuar. É no nada que nosso espírito se areja e que nossas ideias encontram espaço para darem umas piruetas, virarem cambalhotas, sapatearem. É no nada que a visão se aclara e o "tudo" revela suas verrugas e joanetes. Exige desprendimento, desapego, e uma boa dose de desexercício, mas vale a pena, e não custa nada.

domingo, 19 de agosto de 2012

A POLÊMICA COELHO X JOYCE CABERIA NUM TUÍTE





Causou furor a declaração de Paulo Coelho sobre o livro mais emblemático de James Joyce, assim como causou deleite a matéria da Folha de São Paulo (17/8), publicando em destaque no "Ilustrada" os tuítes de vários autores (inclusive do próprio Coelho) com a redução das mais de mil páginas de Ulysses ao implacável limite dos 140 caracteres. Cabe? Claro que sim. Nos dias de hoje, cabe tudo, só não cabe direito. Dizer que a vida é "nascer, crescer e morrer", por exemplo, seria uma certeira redução dessa coisa imensa que é viver. Certeira, eu disse, não correta. Faltam as tramas, as nuances, e sem elas nada se explica direito, tudo perde o sentido.
Reunido com publicitários de vários países há alguns anos, fizemos um exercício baseado na carência de tempo do público e na superficialidade do mundo atual. Consistia em reduzir ao formato do Twitter grandes romances e filmes. Não foi tão difícil assim, e ficou bem engraçado. Nossa proposta era aguçar o poder de síntese e chegar à essência das ideias, nunca tentar desenvolvê-las. A formulação de uma ideia sempre pode ser curta, a maneira como ela evolui não. E uma obra de arte, assim como a vida, não se restringe à sua ideia central, ela só existe com a evolução da ideia.
O que foi interpretado como ofensivo na declaração de Paulo Coelho nada mais é do que o óbvio.  Twitter é o exercício do óbvio, do superficial, do peteleco. Nada mais do que isso. Mas diverte.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O DIA EM QUE CHAMEI LENINE PRA TRABALHAR DE GRAÇA



Bastou um email, assim na seca, endereço obtido com meu parceiro na composição da música, sem que eu nunca tivesse encontrado, sequer falado com o artista. Lenine estava fazendo shows na Europa. De lá mesmo topou participar, nem pestanejou, apoiado por empresário, produtora, toda a entourage. Depois foram só ajustes de agenda, sem maiores cerimônias. Nico Rezende cedendo o estúdio, Cinerama Brasilis fazendo a produção, Paulo Netto dirigindo, tudo no amor, como é praxe nos 10 anos de vida do "Ser diferente é normal". Jeito diferente de fazer (fidelidade absoluta ao nosso lema), totalmente fora dos padrões vigentes nesses dias monetarizados que vivemos, um escândalo de cooperação, afrontando as ferozes leis do mercado. Revolução? Não chega a tanto, talvez um sacode bem dado. E o melhor de tudo é que foi altíssimo astral. Nada de favor, nada de fazer corpo mole, nada de nadismo. Estávamos alegres, vibrando, nos fartando de energia positiva. Nesse trabalho, a felicidade foi a remuneração de todos. E continua rendendo juros.

domingo, 29 de julho de 2012

Gilberto Gil e Preta Gil, abrindo alas na campanha "Ser Diferente é Normal"



Quando a ideia nasceu, parecia utópica. Trazer astros do naipe de Gilberto e Preta Gil pra cantar nossa música era sonhar alto demais. E daí? Sonhamos. Sonhar não custa nada, frase que combina perfeitamente com uma campanha onde todos trabalham por amor. Criação, produção, veiculação sem um único centavo envolvido.
Está provado que é possível fazer movimentos expressivos sem o combustível aparentemente indispensável da grana. É possível mobilizar pessoas em torno de causas que falam ao coração.
Daí pra derrubar preconceitos e promover o convívio harmonioso de todas as diferenças, é um pulo.
 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

NO PRINCÍPIO, EU GUARDAVA MEU VERBO AMAR DEBAIXO DE MUITA GRAMÁTICA

No dia do escritor, homenageio a todos os que se dedicam a costurar palavras na pessoa de Bartolomeu Campos de Queirós. A frase título deste post é dele, assim como sua genial definição do evento que encerra nossa viagem: "Na morte, a ausência ganha mais presença". Ambas as frases estão no livro "Vermelho Amargo"- uma joia de escrita artesanal.
Refletir sobre a possibilidade de se guardar o verbo "amar" debaixo de muita gramática, é tocar num erro muito comum desde que o mundo existe. Tendemos a complicar demais as coisas, sem necessidade. Vale para quem escreve, para quem pensa e para quem, simplesmente, vive.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

HOMELESS BROTHERS

Duas cenas leblonianas que testemunhei recentemente:

1) A moradora classe "a" deitada no larguinho próximo à estátua do Zózimo. Faz abdominais orientada por seu personal trainer. A uns 3 metros dela, num enquadramento que sugere participação do mesmo grupo de atividades, um sem teto dorme envolto em panos sujos. Ainda era muito cedo pra ele iniciar seus exercícios.

2) Cinco jovens turistas, com aparência de estrangeiros, fotografam a praia ao lado da mesma estátua do Zózimo. Outro mendigo (não é o mesmo que dormia na situação anterior) se aproxima deles e se inclui alegremente nas fotos. De início, os turistas estranham. Depois, relaxam e clicam seu momento Zona Sul abraçados ao improvável companheiro de viagem.

Enquanto isso, em São Paulo, um casal de moradores de rua devolve 20 mil reais encontrados num saco, que pra eles deveria parecer uma arca de tesouro dessas que só se vê em aventuras de piratas. Justificativa para a nobreza de seu ato: ensinamentos morais deixados pela mãe.

Salve eles!

sábado, 16 de junho de 2012

HAPPY BLOOMSDAY

É hoje. Que outro personagem de romance tem um dia em sua homenagem, feriado nacional na Irlanda? Tinha que ser um personagem publicitário. Tinha que ser um autor corajoso o bastante para apostar numa ideia simples ( um dia comum na vida de um homem comum ), apresentada de maneira desconcertante, inovadora, complexa, beirando o inexpugnável.
Ulysses não envelhece. Continua até hoje provocando nossa imaginação e desafiando nossa inteligência. Não só pelo mergulho radical no fluxo da consciência, nem pelas palavras inventadas que povoam a narrativa, nem pelo monólogo de Molly Bloom, com suas mais de 50 páginas sem pontos, vírgulas, pausas, concessões. Ulysses também nos brinda com altas frases, como "O amor ama amar o amor"; e ensinamentos básicos de publicidade, como "Para uma propaganda é preciso repetição", ou "Melhor lugar para um anúncio que atraia os olhos de uma mulher é o espelho", ou associando propaganda com religião "Rogai por nós. E rogai por nós. E rogai por nós. Boa ideia a repetição. O mesmo com anúncios. Comprai de nós. E comprai de nós". Insiste no valor da repetição como estratégia de mídia, mas não se repete, deixando claro (alguma coisa tinha que ser clara nesse livro) que o encantamento do conteúdo é o que torna a repetição saborosa.
Joyce emitia sinais de desequilíbrio mental. Ou seriam apenas sintomas de genialidade?
Profetizou que sua obra continuaria sendo alvo de estudos por uns 200 anos. Talvez não imaginasse que esse prazo poderia ser maior, até eterno, quem sabe? Mas tinha perfeita noção dos males causados pela obviedade, e da neutralização da concorrência que só o pensamento sofisticado consegue produzir.
Como está dito em seu livro, "uma história é boa até que a gente ouve outra". Melhor manter o público o maior tempo possível dentro da nossa história, sem dar ouvidos às tantas que circulam por aí.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

SOBRENATURALIDADES POÉTICAS



No momento em que reflito sobre o espaço que a poesia ocupa em nossas vidas, passeio de bobeira pelo blog do José Castello, onde me deparo com a seguinte frase: A POESIA É A ÚNICA PROVA CONCRETA DA EXISTÊNCIA DO HOMEM.
Quem disse essa preciosidade foi um poeta guatemalteco já falecido, chamado Luís Cardoza y Aragon.
Não satisfeito em nos brindar com esse achado, Castello desenvolve o tema, afirmando que "a poesia nada deve a ninguém. A ciência tem suas teses e suas demonstrações. A religião, seus dogmas. A filosofia se ampara na armadura dos conceitos. Só a poesia não precisa de artefato algum para afirmar nossa existência." Outro achado.
Difícil acrescentar qualquer coisa a um raciocínio tão cristalino. O fato é que de repente me senti como quem, escavando despretensiosamente, descobre um sítio arqueológico. E nesse sítio encontra uma revelação milenar do naipe das previsões Maias, e aí fica bolado, com medo de ter ido fundo demais nessa história. Eu, hein!

DIRETO AO QUE INTERESSA

De que interessa ter Mário de Andrade numa exposição que trata de ecologia? De que interessa ter uma exposição ecológica chamada HUMANIDADE 2012 quando o mundo está economicamente mal das pernas? De que interessa ilustrar o texto deste post com uma foto de outro texto?
O raciocínio dos detentores do poder é o movido pelo interesse em mais poder. A mesma lógica se aplica aos detentores do dinheiro, e aos que, não detentores de nada, se avizinham de quem detém alguma coisa, só pra ver se pegam uma rebarba.
Mudar de atitude é o que sugere nosso Mário. Nem seria tão difícil assim, não fosse o tipo de atitude que ele sugere mudar: a interessada.
Do interesse a gente não escapa. Mesquinho ou nobre, interesse há de existir. Só que agora os interesses estão convergindo. Os mesquinhos, com medo de perder suas posses, começam a entender que é mais negócio se unir aos nobres, com coragem de lutar pelo futuro. Nada de muito especial, apenas o bom e velho interesse. Nada de heróico, apenas medo. Nada de sofisticado, apenas falta de opção.

Parece que finalmente estamos todos de acordo, ou quase. Que bom? Resta saber se ainda há tempo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

ADEUS, RAY BRADBURY!

"Quando a morte ataca, você deve pular e agarrar o bote salva-vidas e correr para a sua máquina de escrever." Era assim que Ray Bradbury encarava o que de alguma forma poderia intimidá-lo. Dizia também: "Toda manhã, pulo da cama e piso num campo minado. O campo minado sou eu. Depois da explosão, passo o resto do dia juntando os pedaços."
Comecei a me ligar no seu trabalho há pouco tempo. E achei o cara surpreendentemente inspirador. Muito mais profundo do que jamais imaginaria ser um autor de ficção científica.
Com Ray aprendi a valorizar mais a poesia. Vejam só que ironia. Seu primeiro conselho para quem escreve é ler poesia diariamente, como um exercício para o espírito, como suplemento alimentar que nos ajuda a re-significar a vida e redimensionar as palavras. Aprendi também a olhar o futuro com outros olhos e a enxergar o ofício de escrever como algo que de repente ganha concretude. Foi ele que, ancorado no alicerce de seus livros, desenvolveu o conteúdo do Spaceship Earth, a famosa atração do Epcot Center. Foi ele quem enunciou que "os primeiros homens e mulheres desenharam sonhos de ficção científica nas paredes das cavernas."
Na palestra "Poetas do Consumo" que fiz mês passado na ABL, Ray Bradbury foi o autor mais citado, tamanha a impressão que me causou seu trabalho. A leitura de seu livro "O Zen e a Arte da Escrita" fez com que eu me tornasse seu fã. Hoje, ele partiu. Aos 91 anos. Com muita vida pela frente.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

POETAS DO CONSUMO

Poesia cabe em qualquer lugar. Até na propaganda, por que não?
Drummond chegou a escrever uma poesia sobre isso. Chama-se "Brinde ao Juízo Final". E olha que foi em 1940, quando a propaganda não era tão presente em nossas vidas, nem o juízo final era esse tema que os Maias tornaram tão corriqueiro.
Drummond, além de poeta, devia ser profeta.
Chamado pra fazer uma palestra amanhã na ABL, achei interessante juntar essas pontas. A plateia será de jovens. Vamos ver como reagem à química do marketing com o lírico. Se acharem estranho, ótimo. Já começa a ficar divertido.

sábado, 12 de maio de 2012

A pressa é inimiga da refeição, da reflexão e da retenção

A pressa é moderna. Tão atual que, no espaço de um clique, pode ficar antiga. As coisas passam muito rápido nos dias de hoje. Até a pressa tende a passar mais depressa do que se supõe, entrando por uma porta e saindo pela outra, sem nos dar tempo suficiente pra entender o porquê dessa pressa toda.
O fast-food já saiu de moda. Não dava pra mastigar, muito menos digerir direito. Parecido com o que vem acontecendo com nossa capacidade de reflexão e nossa possibilidade de assimilar o que vale a pena reter. Essa questão do conhecimento e do pensamento ainda não está tão clara para o cérebro quanto os prejuízos causados pelo fast-food estão para o estômago, mas daqui a pouquinho a ficha cai.
Como eu disse no início, é impressionante a rapidez com que tudo passa.

sábado, 14 de abril de 2012

O que agora é será então amanhã como agora era ser passado ontem

Frases retorcidas nos fazem refletir, e sorrir. A que usei no cabeçalho deste post é de James Joyce, através de seu Bloom, no labiríntico Ulisses.
Mas não são só os grandes intelectuais que as produzem. Gente simples e despretensiosa é craque em compor esses raciocínios engenhosos. "A pessoa é para o que nasce", por exemplo, surgiu de uma mulher humilde, deficiente visual, que estrelou um documentário de Roberto Berliner. Tão boa a frase que se tornou título do filme.
São achados que nos obrigam a fazer alguma busca mais profunda, forçam uma pausa, produzem luz. Mais comuns em poetas e escritores, naturalmente. O que não exclui a possibilidade de terem esses artesãos da palavra se inspirado no que é dito nas ruas.
Pois é. Quando li hoje algumas frases de Valter Hugo Mãe (já de pazes feitas com as maiúsculas) proferidas por seus personagens sempre ricos de percepções sobre a condição humana, senti que valia cutucar mais gente com elas. Selecionei duas bem bacanas, que passo agora pra vocês: "Perfeição é só outra palavra para o desumano" e "Ser feliz é ser o que se pode". Saboreiem!

quarta-feira, 28 de março de 2012

MEUS PREFERIDOS SÃO FRANCISCOS

Meu santo preferido está nas pautas mais importantes do planeta. Defensor da ecologia, desde quando esse nome nem existia. Sacudiu a Igreja de sua época, fundou uma ordem exemplar, mostrou ser capaz de revolucionar a própria vida de rico-mimado e fez com que a palavra "franciscano" significasse desapego aos bens materiais, além de batizar um estilo despojado de sandálias.

Meu compositor preferido, desde os tempos da ditadura militar, também é Francisco. Sujeito que melhor definiu a dor da saudade: "pior tormento, pior do que o esquecimento, pior do que se entrevar, dói como um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais, é o revés de um parto, é arrumar o quarto do filho que já morreu, é assim como uma fisgada no membro que já perdi." Ufa! Sujeito que canta coisas tão poéticas que parece frequentar o dormitório das palavras, captando significados que só aos mais íntimos elas revelam.

Meu humorista preferido partiu há pouco. E levou com ele uma legião de personagens. Provocou um turbilhão de homenagens, descortinou inúmeros aprendizes, praticamente todos que seguem se dedicando ao humor no Brasil.
O Globo de hoje publicou um texto sério dele, falando de sua busca pelo menino que havia sido. Texto brilhante, comovente, de um artista que sabe perfeitamente de onde vem sua criatividade, que se supera e transborda em tudo o que decide fazer.

Chico de Assis, Chico Buarque, Chico Anysio. Todos ultrapassam seus rótulos.

Mais que santo, o de Assis é rebelde, atual, eternamente jovem. Mais que compositor, o Buarque é poeta (embora o negue), inquieto, escritor de mão cheia. Mais que humorista, o Anysio é autor, ator, compositor... Mais que tudo, os três são criadores e provocadores, cada um no seu quadrado. E como fizeram enormes seus quadrados, como desafiam o confinamento dos quatro lados, como os reinventam, deformam, reformam.

Meus preferidos nessas três áreas são gênios, são marcantes, são Chicos. Êta nomezinho danado!

quinta-feira, 8 de março de 2012

PARA ENTENDER AS MULHERES, ESQUEÇA OS PSICANALISTAS. CONSULTE OS POETAS.



Drummond disse:

" Para entender uma mulher
é preciso mais que deitar-se com ela…
Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa
que se possa prever nossa vã pretensão…

Para possuir uma mulher
é preciso mais do que fazê-la sentir-se em êxtase
numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade… Há de se conseguir
fazê-la sorrir antes do próximo encontro

Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que
amante perfeito…
Há de se ter o jeito certo ao sair, e
fazer da saudade e das lembranças, todo sorriso…

- O potente, o amante, o homem viril, são homens bons… bons homens de
abraços e passos firmes…
bons homens pra se contar histórias… Há, porém, o homem certo, de todo
instante: O de depois!

Para conquistar uma mulher,
mais que ser este amante, há de se querer o amanhã,
e depois do amor um silêncio de cumplicidade…
e mostrar que o que se quis é menor do que o que não se deve perder.

É esperar amanhecer, e nem lembrar do relógio ou café… Há que ser mulher,
por um triz e, então, ser feliz!

Para amar uma mulher, mais que entendê-la,
mais que conhecê-la, mais que possuí-la,
é preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido, e também
ser possuído e, ainda assim, também ser viril…

Para amar uma mulher, mais que tentar conquistá-la,
há de ser conquistado… todo tomado e, com um pouco de sorte, também ser
amado!”

Precisa dizer mais alguma coisa?


sábado, 3 de março de 2012

RETROFUTURISMO JÁ


Acho engraçada essa palavra, soa cabeçuda sem perder o bom-humor, tem um quê de cinismo e esnobação de antenados, embora seja razoavelmente antiga, criada por Lloyd Dunn em 1983. O fato é que, apesar de seus quase 30 anos, segue atualíssima.
Retrofuturismo é o que melhor define o caráter distópico, ambíguo e contraditório do nosso tempo. Ok, de todos os tempos, só que evidenciado pela intensidade e rapidez com que ocorre hoje, de acordo?
Incensar no presente a forma como o futuro era imaginado no passado é tornar profético o que a princípio só pretendia ser imaginativo, é colocar a imaginação no mais alto dos pedestais, de onde também nós adquirimos o direito de observar o amanhã, brincar de futuristas e, quem sabe, acertar alguns chutes sobre o que vem por aí.
Em seu "O Zen e a Arte da Escrita", Ray Bradbury, autor do clássico "Fahrenheit 451", nos lembra que os primeiros homens e mulheres desenharam ficção científica nas paredes das cavernas, e enfatiza que sem fantasia não há realidade, sem imaginação não há vontade, sem sonhos impossíveis não há soluções possíveis. Graças a ele, passei a encarar o gênero com olhos mais simpáticos, descobri que Steam Punk, Diesel Punk e Cyber Punk são mais punks (no melhor dos sentidos) do que parecem, que o Batman de Joel Schumacher pode andar de mãos dadas com o Metropolis de Fritz Lang e flertar com os cultuadores de Star Trek e Star Wars, enquanto visitam o Brazil de Terry Gilliam.Vi mais claramente a poesia de Blade Runner, a fantasia de Back to the Future (fácil esbarrar com Júlio Verne por ali), a filosofia de Matrix. Conclui que há espaço de sobra para emoção, nos chips, nos múltiplos gadgets, nos softwares, nos pendrives, nos hard-disks, e nas telas (que, desde o primeiro quadro do primeiro pintor a emoldurar seu trabalho, sempre tiveram esse nome), telas de todos os tamanhos, para todos os gostos, cada vez mais acessíveis, e sensíveis ao toque.
Há futuro, gente! Essa é a boa notícia. Há muito tempo que há. E por mais fantástico que pareça, ele continua fazendo algum sentido.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A MEMÓRIA TEM FUTURO.

A frase título deste post é de Gonçalo M. Tavares, em seu livro Uma Viagem à Índia, o mesmo livro em que ele diz que "o inesperado não tem fórmula, e mesmo o passado tem coisas que ainda amanhã serão surpreendentes". O livro é recente (2010), dividido em cantos, narrado em forma de poema, tudo pra ser taxado de chato-antigo, não fosse ele uma epopeia tão vanguardista que se dá ao luxo de terminar com um gráfico sobre a melancolia contemporânea, fazendo lembrar os efeitos visuais na abertura de Matrix. Lusíadas pós-moderno, por que não?
Surpreende-nos tantas vezes a ousadia e contemporaneidade de obras criadas há um tempão, ou a possibilidade de transformá-las em algo inteiramente novo, do mesmo modo que somos pegos no contrapé por antigas ideias repentinamente alçadas ao patamar de hits da atualidade, como se ninguém se lembrasse de que existem há décadas, guardadas numa gaveta que só esperava por uma boa arrumação. De velho a vintage ou de ultrapassado a cool, estalam-se os dedos e pronto. A reciclagem é um fato indiscutível, inevitável e, acima de tudo, bem-vindo, nenhuma área escapa à sua órbita.
Só os idiotas não aprendem com a história, e atravessamos um momento em que a história cresce em relevância por nos oferecer o abraço confortante que a velocidade supersônica-megabytica insiste em negar. A segurança escapa pelos dedos, e só a reencontramos quando nos avizinhamos de territórios já visitados. Saudade é sentimento que só rola em relação ao que nos trouxe alguma felicidade, todo mundo sabe. Saudade até daquilo que não conhecemos tão bem, mas que nos devolve a um tempo em que ser feliz era - ou parecia ser - menos complicado. Daí filmes como O Artista e a Invenção de Hugo Cabret, revisitando e revalorizando os alicerces da sétima arte. Daí Paul McCartney gravando as músicas que antecederam e inspiraram os Beatles. Daí um grupo de jovens arrastando multidões no Carnaval carioca pra cantar e dançar com o Sargento Pimenta que eles não chegaram a vivenciar quando ainda era Sargeant Pepper. Daí as voltas e revoltas que esse mundo dá, e a coincidência de até na hora de escolher nossos artefatos tecnológicos estarmos ligadíssimos na mais essencial das perguntas: o quanto eles têm de memória?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A nova cara da música mundial


Parece ter mais do que seus apenas 23 anos. Soa como se tivesse muito mais que isso, de tão madura.
Adele arrasou ontem no Grammy, sem perder a timidez de iniciante. Não só ela, a festa como um todo foi um arraso. Desde Bruno Mars deixando claro que Elvis não morreu (nem Michael Jackson tampouco), até Sir Paul McCartney, anunciado com gaitinha e tudo por Stevie Wonder, e se apresentando tão despojadamente como só os gênios podem ser, numa Valentine com orquestra, Diana Krall ao piano e Joe Walsh ao violão. Ele, a lenda, multi-instrumentista, multi-talentoso, na singela posição crooner. Demais!
Uma festa de eclipsar Oscar. Onde o country mostrou que pode ser angelical quando entra em cena com Taylor Swift, e o rock dos Foo Fighters gritou seu protesto, fazendo apologia da imperfeição humana como detentora da emoção, em contraposição à assepsia tecnológica sonora que faz tudo ficar com jeito de centro cirúrgico.
É certo que o fato do evento coincidir com o dia em que Whitney Houston nos deixou, tornou a celebração mais profunda e comovente. Mas deu pra perceber que algo está mudando, finalmente para melhor. Que estamos resgatando valores (Tom Jobim também marcou presença) e questionando o superficial, inclusive debatendo a relativa pobreza da reprodução digital quando comparada à qualidade do vinil. Idas e vindas até encontrar o ponto.
E enquanto as coisas vão buscando seu devido lugar, seguimos "rolling in the deep" com a nova musa e, de alguma forma, "learning to walk again", como cantam os bravos fighters.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

PARA QUE SERVE O ARTISTA?


A arte do artista é a de provocar. A isso ele se dedica, orgulhoso, vaidoso, a provocar emoções, surpresas, reflexões, admiração. Se não fustiga nenhum sentimento, por que tanta luta? Se não consegue falar ainda que em silêncio, de que vale o discurso?
O artista, não o oportunista mas o vocacionado de verdade, tem prazer em andar na contramão, só para mostrar que existe via alternativa e tirar o respeitável público de suas confortáveis certezas.
O artista é preto no branco, deixando todas as demais cores por conta da imaginação que atiça. É um sujeito corajoso como Michel Hazanavicius, múltiplo como Jean Dujardin e magnético como Bérénice Bejo.
O artista é isso: um olhar oblíquo para o futuro através do bom e velho retrovisor.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Veríssimo pai, Veríssimo filho...


Quinta-feira passada, noite, chovia e fazia frio num Rio de Janeiro carente de verão. O Instituto Moreira Sales recebia convidados para uma palestra/entrevista sobre "Incidente em Antares" com ninguém menos que Luís Fernando Veríssimo, o admirável filho do admirabilíssimo autor.
Cheguei cedo pra garantir o lugar. Não queria perder a chance de ver alguém tão brilhante falando sobre um livro que me agradou tanto numa fase decisiva da minha vida. Era curiosa a sensação de reencontro com o eu mais jovem que lera o livro sob outras circunstâncias, agora esquecido de detalhes preciosos talvez nem percebidos na época da leitura. Um encontro do eu mais maduro com o escritor filho do escritor (típico filho de peixe) cujo trabalho acompanho em livros e nas crônicas do Globo.
Gestos contidos, fala mansa, justificando a fama de tímido, lá estava Veríssimo filho, já vovô, discorrendo não só sobre aquela última obra de seu pai, mas principalmente sobre como ele o enxergava, como o via trabalhar, como o acompanhava e admirava. E o fazia como se estivesse batendo papo com amigos, papo de varanda regado a chimarrão, tratando o grande Érico simplesmente como "o pai". Soava como um menino maduro, fazendo-me refletir sobre a eternidade da infância e a relatividade do tempo.
"O Tempo e o Vento", visto daquele ângulo, parecia não mais a viga mestra da produção literária de Érico, mas uma tese filosófica do mestre sobre a volatilidade de nossos conceitos, exatamente quando o pretexto de estarmos reunidos era a celebração dos 40 anos do seu consagrado "Incidente". Sempre o tempo.
Saí do IMS feliz por ter testemunhado aquele momento, feliz pela singeleza da experiência verissimal, pelo reencontro com minha versão de décadas atrás, pela descoberta dos recantos de Antares que o eu mais jovem desperdiçou, e pelo apetite renovado de ler e reler os que sobrevivem à crueldade dos calendários.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A música segundo o gênio


Fui ver (e ouvir) ontem um filme que me encheu de orgulho. Que monumento nacional esse Antonio Carlos Brasileiro Pra Cacete Jobim! A música segundo ele é o máximo, dispensando texto, efeitos, atores e comentários... ocupando tudo com o brilhantismo das construções harmônicas e melódicas, com a riqueza dos intérpretes, com os olhares faiscantes na tela e marejados na plateia.
Devia ser obrigatório como votar, devia estar nos currículos escolares, dever cívico total, acompanhar essa história, aplaudir quem colocou o Brasil e o Rio na trilha sonora do mundo, quem elevou Ipanema ao pódio do imaginário global, quem mitificou a mulher carioca tornando-a inconfundível por detalhes tão simples quanto o "jeitinho dela andar". Que coisa mais linda!
A cumplicidade espoleta com Elis, o nivelamento estrelar com Sinatra, a fossa profunda de Maísa, a "Insensatez" de Judy Garland, a doçura de Nara, o sarro de Sami Davis Junior, divas e divos pra todos os gostos, vozes raras como a de Agostinho dos Santos e Milton Nascimento, as parcerias de Vinicius a Chico Buarque... Tá tudo ali, um desfile de genialidades que culmina na Sapucaí com justíssima homenagem, e maltrata o coração com um debochado "Chega de Saudade", depois de nos lembrar que a alma canta ao ver um Rio de Janeiro que nos enche exatamente de saudades. Sacanagem.
Criativo demais, ousado demais. Só o Tom se atreveria a fazer um samba com uma nota só, e a compor um "Desafinado", como quem desfruta de intimidades especiais com a música. Só ele poderia inspirar Nelson Pereira dos Santos a realizar com Dora Jobim um longa-metragem 100% musical, imaculado, inesquecível.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Livros comestíveis. Por que não?



"Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus".
A Bíblia está cheia de referências ao poder da palavra e de alusões ao ato de ingerir como sendo a forma absoluta de introjeção. No Apocalipse (10,9) chega-se ao ponto de um apóstolo receber a ordem de comer um livro.
Quem me chamou a atenção para esse dado apocalíptico foi Unamuno em seu livro "Como Escrever um Romance". Com seu estilo filosófico-transcedental, ele afirma que, sendo o livro uma coisa viva, deve-se comê-lo.
A metáfora faz sentido quando imaginamos o quanto a leitura exige de tempo de mastigação e digestão pra funcionar de verdade. E se completa com a sensação de fortalecimento que experimentamos ao final de cada livro bem absorvido, e quando sentimos cada vez mais sabor no ato de ler, e quando a fome de leitura passa a se manifestar naturalmente, como na hora do almoço.
Sem dúvida, livro alimenta.
Podemos dizer que a internet nos fornece fast-junk-food, ou tira-gostos, ou belisquetes pra enganar o estômago. Tudo vapt-vupt, sem tempo de apreciar direito, nem poder nutriente pra nos manter saudáveis. Mas, de vez em quando, saem do forno cibernético uns pãezinhos bem gostosos, que abrem o apetite pra refeições com maior sustância.
Metáforas à parte, já existe papel comestível. Vi um anúncio feito com ele, só não cheguei a provar. O fato é que aperfeiçoa daqui, melhora dali, mete um molho, aumenta a escala, e vai que alguém resolve produzir um livro... sei não, viajei.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Matou o professor de lógica e foi ao teatro

Conversando com o ator Augusto Madeira durante as filmagens de campanha publicitária recentíssima, nem veiculada ainda, comentei sobre sua atuação (excelente, por sinal) na peça "O Púcaro Búlgaro". Sem saber, acertei na mosca. O entusiasmo com que ele reproduziu algumas das longas falas, os detalhes de interpretação com que se deliciou de novo, tudo contagiava e denunciava sua identidade com o estilo do autor do livro que deu origem à peça.
Passagem de tempo. Abro a Folha de São Paulo no domingo e leio um artigo que brinca com o tema do livro e consequentemente da peça: a dúvida sobre a existência da Bulgária. Novamente vejo com que prazer é sublinhado o talento do responsável por aquele brilhante trabalho de literatura do absurdo, Campos de Carvalho. O Púcaro Búlgaro foi seu último livro e, por mais que o tempo passe, é difícil imaginar que ele algum dia deixe de ser moderno, como modernos continuam sendo a espera de Godot, os rinocerontes que nos atropelam pela vida afora, e tantos outros exemplos a comprovar que o absurdo reina cada vez com mais intensidade.
Tanto o artigo da Folha quanto o ator na conversa que tivemos, fizeram menção a uma frase que parece definir muito bem o espírito de Campos de Carvalho: "Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando legítima defesa". Palmas pra ele.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

As Canções de Eduardo Coutinho, e nossas.


Palco vazio. Apenas uma cadeira em cena. Personagens se revezam ali, contando e cantando suas histórias. Desfilam amores perdidos, lembranças imperdíveis, frustrações, culpas, emoções... São tantas, como diria o rei.
Roberto Carlos aparece sem estar em cena. Suas músicas se destacam na trilha sonora da vida dessa gente.
Do outro lado da câmera, Eduardo Coutinho rege os depoimentos com a mesma maestria demonstrada em "Jogo de Cena", uma espécie de terapeuta que arranca melodias da alma.
Como sofrem especialmente as mulheres! Como é importante a música para registrar e resgatar a essência de nossos sentimentos! Como é bom ter um cineasta de cabeleira branca e olhar profundo a nos desvendar as delicadezas e brutalidades que povoam os corações que cruzam com a gente pelas ruas! As Canções, beleza de filme. Num cinema ou numa esquina perto de você.