segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um Conto

Café.


Saiu de casa bem cedo. Consulta marcada, coração na mão, alma pesada. Será desta vez? Deus queira não seja. Não foi. Alívio, leveza, coração nas nuvens, alma lavada. Esperança de volta, alegria de volta, planos de volta. De volta pra casa, sem pressa, a pé. De repente, passeio. Merece um café, encorpado, cheiroso, não quer um qualquer, só aquele Café, com letra maiúscula, bem plantado, torrado, cuidado, das raras ocasiões especiais, duas vezes sorvido, antes, apenas. Que pena, cafeteria fechada, ainda. Cedo demais, fica pra outra. No caminho tem outras. Choveu, ventou, trovejou, molhou, se abrigou, bendita marquise. Estiou. Seguiu seu trajeto. Um novo café, alguns passos à frente, vontade aumentada, mas nada. Cheio demais. De onde vem tanta gente? Não quer esperar, já perdeu tanto tempo, a chuva, a marquise, as poças, a lama, enfim, tudo bem. Adiante tem outro, hoje em dia são tantos. Não valeu a pena. O café de adiante era fraco demais pra quem quer celebrar, tinha um outro na frente mais perto de casa, esse sim, à altura dos fatos, brindáveis, saudáveis. Passou por vitrines, distraiu-se com as modas, sorriu para o guarda, deu esmola ao pivete, esbarrou numa dona lotada de compras. Desculpe o atropelo. Sorriso amarelo, já ia passando, voltou pro café, mas pra quê? Tão perto de casa, melhor ir em frente, já viu tanta coisa, curtir seu cantinho também pode ter um bom gosto de festa.

Chegou em casa bem tarde. Cabelos já brancos, a pele enrugada, coração no chão, alma penada. Quem sabe um café? Melhor não abusar. Água no fogo, um chazinho e olhe lá.

2 comentários:

  1. com poucas palavras, sem descrever quase nada, fui construindo a cena na minha cabeça, preenchendo respostas que o texto não me deu, mas que preenchi com fantasia. Muito boa a criação de um clima emocional intenso pela busca do sabor e do conforto.

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  2. Legal o conto, Adilson, gostei da linguagem ágil e econômica!
    Abraço,
    Rafael

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