domingo, 30 de outubro de 2011

Chico Buarque na capa da Rolling Stone

Quando o cara é gênio, até entrevista fica brilhante.
Tá lá nosso querido compositor / escritor brilhando na Rolling Stone, edição comemorativa dos 5 anos da revista, com uma entrevista de encher os olhos. Palmas também para o entrevistador Paulo Terron, claro.
Lá pelas tantas, perguntado sobre os efeitos da idade, ele responde: "Eu lido muito bem com isso, inclusive porque eu nem acredito que seja velho (gargalhadas)! Nem acredito que vá ficar velho um dia. Então dou risada. Outro dia, descobri que fiquei mais velho que o Vinicius de Moraes. Daí eu estava jogando futebol e tinha um garoto de 20 anos, que me deu um carrinho em campo molhado. Me acertou o tornozelo. Fiquei puto: "Moleque de merda!" E daí a pouco fiquei orgulhosíssimo: ninguém daria um carrinho desses no Vinicius. Ninguém (gargalha)! Nem no Tom (Jobim). O Tom se foi com a minha idade, 67."
Um sujeito com esse astral e com a inspiração que todos nós conhecemos, vai envelhecer como?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Meu prefácio para "David Ogilvy: A origem da publicidade moderna", livro de João Renha

Prefácio.

O título deste livro não faz jus ao seu conteúdo.

Por favor, não entendam minha frase de abertura como uma acusação de falha do autor, talvez da editora, um caso de propaganda enganosa ou coisa do gênero. Nada disso. O livro tem, sim, seu lado didático: diretrizes, normas, listagens etc. Mas não para por aí, vai muito além. Ao percorrer suas páginas, o leitor não encontra apenas a trajetória profissional de David Ogilvy somada a um punhado de teorias. Ele passeia pelos pilares da publicidade, percebe como tudo começou, vê de perto os monstros sagrados que lançaram os alicerces de uma história que se desenrola até hoje.

Não por acaso, a primeira parte do livro se intitula “Caminhando entre gigantes”. Fala de Claude Hopkins (precursor da Unique Selling Proposition), Raymond Rubicam (fundador, junto com John Orr Young, da famosa rede mundial de agências, Young & Rubicam), John E. Kennedy (criador do conceito de “reason why”) e outros habitantes do Olimpo, que inspiraram David a ponto de fazê-lo afirmar, por exemplo, que “Hopkins tecnicamente foi o mestre supremo. É o pai da publicidade moderna”. Mais do que caminhar entre gigantes, David nos mostrou que seguiu o ensinamento de Isaac Newton quando este, parafraseando Bernard de Chartres, confessou: “Se eu tenho enxergado mais longe é só por ter subido nos ombros de gigantes” (tradução livre).

“Standing on the shoulders of giants” é, a meu ver, a melhor expressão do contínuo processo de aperfeiçoamento humano, expressão, aliás, já utilizada como título de livro pelo publicitário e professor alemão, Hermann Vaske, que nos apresenta uma coletânea de conversas com alguns dos mestres da publicidade atual. Nada mais eloquente para provar o poder da ideia bem formulada do que uma expressão nascida no século XII, reforçada no século XVII, e ainda tão relevante no século XXI que se tornou, além do título do livro de um alemão, o nome do quarto álbum de um grupo de rock britânico, Oasis.

David subiu nos ombros de outros gigantes para conquistar sua invejável estatura, e João Renha nos convida a escalar esse totem de grandes nomes, buscando nas entrelinhas de seu texto a essência do seu legado. Mostra-nos, de saída, um traço comum a todos eles: o gosto pelo trabalho constante, árduo, até altas horas, beirando a insanidade quando Ogilvy afirma adorar os domingos porque nesses dias podia trabalhar sem ser interrompido. Mostra-nos que esse workaholic brilhante teve origem humilde, lutou bravamente por um lugar ao sol, foi vendedor, assistente social, fazendeiro e pesquisador, até descobrir que tinha talento para a publicidade, só se definindo profissionalmente depois dos 38 anos. Mostra-nos que é possível ir longe, mesmo que começando tardiamente, desde que não se tenha medo de ousar, nem preguiça de ralar.

Quando uso os verbos passear e escalar ao me referir à leitura deste livro, faço-o para sublinhar a leveza do texto e o prazer que ele proporciona. João Renha soube transportar o melhor de sua herança de redator publicitário para o ofício de escritor. É sutil, porém enorme, a diferença entre redator e escritor. Mas quando esses dois talentos se potencializam, o resultado é simplesmente delicioso.

Cá entre nós, discordo de algumas crenças de David Ogilvy. Respeito muitíssimo sua obra, mas rejeito sua obsessão pela cientificidade, seu encanto pelas pesquisas. Prefiro o enfoque oposto, de Bill Bernbach, defensor ferrenho da originalidade como mola-mestra da publicidade. E adorei ver esse conflito de convicções presente no livro, não só pela forma como ele é colocado, mas principalmente por revelar a elegância de David ao lidar com o antagonismo. Tão raro hoje em dia ver alguém reverenciando e elogiando seu oponente. Que lição!

Esta é a palavra-chave, lição. Há um momento em que o livro trata das lições deixadas por seu personagem título. Mas não é só ali, na parte 2, que elas se encontram. As lições desta obra de João Renha estão por toda parte, e muito mais ricas do que faz supor uma capa que fala em teorias publicitárias. São lições práticas de como lidar com as dificuldades do dia-a-dia, abraçar uma profissão apaixonadamente, e presentear a posteridade com realizações que o tempo não corrói. São lições de vida, que só os mestres podem dar.

Obrigado, professor Renha. Por este livro que é maior do que o título, por esta aula que vai além das páginas.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Zapeando na tv dei de cara com o quinto Beatle




Ok. Sou fã de carteirinha dos Beatles e houve quem criticasse meu outro post sobre a maior banda de todos os tempos, por não ter declarado isso expressamente. Tá declarado.
Mas apesar desse interesse pessoal pelo tema, ainda não tinha visto "Backbeat", um filme anglo-germânico de 1994, dirigido por Iain Softley, que trata do período da banda em Hamburgo, e tem como personagem principal seu baixista original, Stuart Sutcliffe. Na época (1960/62), os Fab Four eram five (parecido com os Três Mosqueteiros, que eram quatro), o bateirista ainda era o desafortunado Pete Best, e Paul MacCartney tocava guitarra. Fica evidente que Paul não gostava da performance do Stuart, assim como não curtiu muito o filme, apontando imprecisões históricas no roteiro.
Independente disso, foi ótimo acompanhar a passagem deles pelo Kaiserkeller, uma espécie de Cavern Club hamburguês, e ver o papel importante que a fotógrafa Astrid Kirchherr desempenhou na imagem do grupo. Foi ela quem documentou a fase alemã daqueles moleques britânicos (o George chegou a ser deportado por enganar a idade e tocar na noite com 17 anos), foi ela quem bolou o primeiro corte de cabelo que virou marca registrada, e foi ela quem fez o quinto Beatle se apaixonar e abandonar tudo pra ficar namorando na Alemanha. Mal sabia a musa, que o pobre Stuart morreria meses depois de tomar essa decisão, de hemorragia cerebral, consequência de uma surra levada bem antes quando se meteu numa briga junto com John Lennon.
Esse lado brigão, desajustado e lider do John também está presente na história. Mas é apresentado de forma bem mais interessante em outro filme: Nowhere Boy, traduzido no Brasil como "O Garoto de Liverpool". Produção anglo-canadense de 2009, que lida com o período anterior à viagem pra Hamburgo, mostra a fundação da banda precursora de tudo, The Quarrymen, foca obviamente em Lennon e descreve de forma emocionante o encontro com Paul. Um dos grandes baratos do roteiro é que em nenhum momento a palavra Beatles aparece.
Haja história! E são todas ótimas, tanto que os caras entraram definitivamente pra história.
Em Liverpool, onde estive este ano e pode-se respirar Beatles o tempo todo, existe uma escultura de bagagens dos mais famosos filhos da cidade, dentre elas, dois cases de contra-baixo bem próximos um do outro, o de Paul e o de Stuart. Uma curiosidade é que ainda tem muito fã do Pete Best por lá, gente que ainda insiste em torcer o nariz (logo o nariz) pro Ringo Starr.

sábado, 22 de outubro de 2011

Jô Soares e valter hugo mãe se encontram na tabacaria de Fernando Pessoa


Pra que ninguém erre de endereço, a tabacaria é de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. Falo do famoso poema, claro. E do personagem singular que por ali passa, o Esteves sem metafísica.
No momento em que estou lendo o excelente "a máquina de fazer espanhóis", do valter hugo filho da mãe, que me fez chorar na Flip (sim, eu fui um dos muitos) com sua declaração de amor ao Brasil, vejo anunciado na imprensa o lançamento do novo livro do Jô "As Esganadas", e descubro que existe um personagem comum aos dois livros. Exatamente ele, nosso amigo Esteves. No livro do emocionante gajo das letras minúsculas, o Esteves vem com o poema no currículo, tornando-se célebre no asilo onde se desenvolve a trama por ter sido citado naquela obra prima.
Já no livro do Jô, o Esteves entra em cena como um inspetor da polícia portuguesa, que promete ser muito engraçado. Como não seria? O livro é do Jô.
O fato é que achei bacana essa coincidência em trabalhos de dois autores tão diferentes quanto admiráveis. Especialmente por estarem coincidindo sobre outro trabalho de outro autor que, como diriam seus conterrâneos carregados de sotaque, está a desmoralizar o poder dos adjetivos.
E ainda há quem acredite que o Esteves não tem metafísica.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Medianeras y Un Cuento Chino - histórias com endereço certo


Dois filmes que podiam ser literatura. Um deles até se chama conto. Ambos falam da dificuldade de comunicação entre as pessoas. E da solidão.
São românticos, divertidos, leves, gostosos e, acima de tudo, histórias muito bem contadas. Como, aliás, os argentinos estão se especializando em fazer.
No Conto Chinês, além da brilhante interpretação de Ricardo Darín (mais uma entre tantas), do roteiro cravado e da direção na medida, salta aos olhos a informação de que o filme é baseado em fatos reais. Como assim, se ele já começa com uma cena surreal? E aí está a ideia: a vida real é mais surreal do que supõe nossa vã filosofia. Algo tão dramático, quanto cômico. Uma contradição que dá excelentes frutos, e combina perfeitamente com o engraçado mau humor do protagonista.
Medianeras também tem sua dose de mau humor. Fala mal de Buenos Aires, detona sua arquitetura, maldiz o estilo de vida que se leva por lá, e o faz de maneira divertidíssima. Que texto bem transado! Que personagens verdadeiros!
O que se destaca nos filmes argentinos é que, antes de bem filmados (palmas para Sebastián Borentzain e pro estreante Gustavo Taretto), são muito bem escritos. Tem cultura acumulada de um povo que lê muito, sensibilidade para os temas que cutucam nossa alma, simplicidade e muita modernidade no que eles fazem.
Quando os personagens Mariana e Martin, de Medianeras, produzem em cena um filme para o Youtube, não tive dúvida de que encontraria aquela postagem na rede. Conferi, e não deu outra. Estão lá os dois mostrando pra todo mundo que "Ain't no mountain high enough" quando se manda a mensagem certa direto pro coração do público.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

There are places I remember



Há lugares que devem seu significado à literatura, à poesia, à música.
Liverpool é um desses lugares. Significaria muito pouco se não fôssem seus quatro filhos mais ilustres. Uma cidade bonitinha e bem arrumadinha, que de repente virou mítica. Quem viveu o impacto da Beatlemania sabe do que estou falando.
Só em Liverpool uma via pública sem nada especial, como Penny Lane, ganharia notoriedade. E sua Barber Shop se tornaria ponto turístico.
Só em Liverpool um orfanato abandonado, do qual só restam muro e portão, seria cultuado, simplesmente porque na placa que o identifica lê-se "Strawberry Fields".
Só em Liverpool a discreta sepultura nos fundos de uma igrejinha merece ser fotografada, não porque ali está enterrado algum personagem histórico, mas pelo fato de abrigar os restos mortais de uma tal de Eleanor Rigby.
Ah, como ficam mais bonitas as músicas quando conhecemos suas histórias!
E no meio de tantos marcos musicais dessa cidade (en)cantadora, destaca-se um clube apertado a exigir vários degraus de descida às centenas de peregrinos que o visitam diariamente. Só porque ali estão algumas relíquias da banda mais revolucionária de todos os tempos. Só pelo prazer de estar onde tudo começou.

Concerto para arrombadores e orquestra

The Orchestrated Heist

O sincronismo entre performance de música clássica e cenas de ação já rendeu momentos antológicos ao cinema. De todos os que eu vi, este é o que vai mais fundo.

sábado, 8 de outubro de 2011

A Vendedora de Fósforos ilumina e aquece

O novo livro de Adriana Lunardi fala de família. Uma família que se muda com frequência e tem hábitos pitorescos como o que dar nomes muito particulares a pessoas e coisas, a ponto de exercitar essa capacidade em singelos rituais onde, por exemplo, um menino é aclamado por batizar um penico de Duchampipi.
Extremamente sensível, destaca a forte relação entre a narradora e sua irmã, e nos surpreende com poesia nas situações mais cotidianas. Altas doses de sensibilidade aspergidas sobre personagens que vivem num ambiente que estimula a imaginação, ideal para o nascimento de centelhas criativas.
Só pra dar uma palhinha, tem um diálogo na página 50 (durante uma das mudanças residenciais da família) que nos leva a concluir que "tudo na vida é provisório, exceto a infância". Certeiro, né?

A história de quem conta a história conta


Um personagem condenado à morte tem sua pena comutada pertinho da hora derradeira. Em vez de morrer, é submetido a trabalhos forçados. Cumprida a pena, casa-se. Perde a mulher. Casa-se de novo, perde um filho de 3 anos. Como se não bastassem tantos baques e outras perdas que alongariam desnecessariamente a descrição de seus suplícios, ele sofre de epilepsia. Fazer o quê? Escrever, ora. E tornar-se um dos maiores escritores de todos os tempos.
Fiódor Dostoiévski viveu como um personagem de seus livros, sofreu na carne as dores que descreveu, e trouxe da vida real para as páginas alguns de seus mais marcantes personagens. Dmitri Karamázov, por exemplo, foi inspirado em Dmitri Ilinski (até o nome foi preservado), acusado de parricídio exatamente como acontece nos Irmãos Karamázov.
Se o livro já é brilhante por si só, com essas informações adicionais sobre o autor e suas fontes de inspiração, ele se torna irresistível.
É a força da história por trás da história. Quanto mais, melhor.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Se deixar uma brechinha pra censura...

DESPERTAR É PRECISO

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.

Vladimir Maiakóvski

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um Conto

Café.


Saiu de casa bem cedo. Consulta marcada, coração na mão, alma pesada. Será desta vez? Deus queira não seja. Não foi. Alívio, leveza, coração nas nuvens, alma lavada. Esperança de volta, alegria de volta, planos de volta. De volta pra casa, sem pressa, a pé. De repente, passeio. Merece um café, encorpado, cheiroso, não quer um qualquer, só aquele Café, com letra maiúscula, bem plantado, torrado, cuidado, das raras ocasiões especiais, duas vezes sorvido, antes, apenas. Que pena, cafeteria fechada, ainda. Cedo demais, fica pra outra. No caminho tem outras. Choveu, ventou, trovejou, molhou, se abrigou, bendita marquise. Estiou. Seguiu seu trajeto. Um novo café, alguns passos à frente, vontade aumentada, mas nada. Cheio demais. De onde vem tanta gente? Não quer esperar, já perdeu tanto tempo, a chuva, a marquise, as poças, a lama, enfim, tudo bem. Adiante tem outro, hoje em dia são tantos. Não valeu a pena. O café de adiante era fraco demais pra quem quer celebrar, tinha um outro na frente mais perto de casa, esse sim, à altura dos fatos, brindáveis, saudáveis. Passou por vitrines, distraiu-se com as modas, sorriu para o guarda, deu esmola ao pivete, esbarrou numa dona lotada de compras. Desculpe o atropelo. Sorriso amarelo, já ia passando, voltou pro café, mas pra quê? Tão perto de casa, melhor ir em frente, já viu tanta coisa, curtir seu cantinho também pode ter um bom gosto de festa.

Chegou em casa bem tarde. Cabelos já brancos, a pele enrugada, coração no chão, alma penada. Quem sabe um café? Melhor não abusar. Água no fogo, um chazinho e olhe lá.

Um Desconto

Circo.


O romance da mulher barbada com o engolidor de espadas despedaçou-se, quando ela se depiilou em particular e ele se engasgou em público. Péssimo para eles e para toda a comunidade, que já não tinha mais sobre o que fofocar. Mas nada comparado ao palhaço perdendo a graça. Aquilo sim foi triste, quase tanto quanto a mansidão repentina do leão, a anorexia do elefante, o tombo histórico do trapezista, ou a revelação dos truques de Merlin. Queda após queda, efeito dominó, parecia o fim do mundo. Restava apenas uma pequena esperança. Foi quando o anão começou a crescer que todos se renderam às evidências. Fazer o quê? É a vida.

domingo, 2 de outubro de 2011

O prazer de provocar

"A fantasia é a sustentação do desejo." (Lacan)

"Não faz mais sentido falar em vigilância (nem combatê-la, nem denunciá-la, o que não significa que ela não seja mais eficaz que nunca) numa sociedade tautológica, de autoexposição voluntária.
A transgressão foi anulada pela banalização do consentimento coletivo. É como se toda a sociedade de repente fizesse a passagem de que fala Freud, da atividade do voyeurismo para a passividade do exibicionismo." (Bernardo Carvalho)

Aprofunde-se o cruzamento dessas raízes psicológicas e encontraremos os decotes, as saias rodadas, o Big Brother, as revistas de celebridades e as janelas indiscretas, todos juntos cutucando imaginários, alimentando fantasias, emulando transgressões.

sábado, 1 de outubro de 2011

O prazer do percurso

Ler é uma viagem (frase clichê). Viagem é tudo de bom. Não necessariamente o destino final, mas a própria viagem. Muitas vezes até a preparação para a viagem, que se passa em nosso imaginário, é melhor do que a viagem de verdade. Ah, a expectativa! Sempre enfeitando as coisas.
Lendo matéria de Ivan Barroso, no Caderno Prosa e Verso do Globo, sobre "O Clube do Suicídio" de Robert Louis Stevenson, me chamou especial atenção o trecho em que ele afirma que "o autor nos vai cada vez mais preparando para um clímax que não se verifica, invertendo o procedimento das narrativas do gênero, de modo que a expectativa do que vai acontecer se torna mais importante do que o acontecimento em si".
Verificar que um autor desse calibre nos envia do século XIX um exemplo de narrativa baseada mais no percurso do que na chegada é um alívio. Acredito que, cada vez mais, as pessoas estão abertas a desfrutar a paisagem do caminho independente de para onde estejam indo. E que até preferem finais abertos às tradicionais histórias arrumadinhas que não lhes permitem imaginar desfechos, participar de alguma forma, abrir a cabeça para diversas possibilidades.
Não é de um cara qualquer que estamos falando. É do autor de "O Médico e o Monstro", que entende bem profundamente os mistérios e conflitos da alma humana.