quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Música por todos os cantos

Outro dia, pouco antes do Natal, estava eu na Missa e um grupo de violinistas se apresentou executando a trilha sonora típica dessa época. Abriram sua performance com a famosa "quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz...", sem se dar conta de que estavam tocando um antigo tema publicitário do finado Banco Nacional. Seguiu-se o set tradicional de White Christmas, Noite Feliz etc, mas as primeiras notas a pisar no altar foram as de um jingle (que não era bells).
Mais recentemente, assistindo ao especial de fim de ano da Globo com Ivete Sangalo, Gilberto Gil e Caetano Veloso, percebi na telinha uma transcendência litúrgica. Não eram músicas temáticas, nada disso, tudo bem mundano. Mas a energia que pintou naquele espetáculo passou todo o clima dessa época de abraços e bemquerências. Que repertório! Que talentos! Que integração de genialidades! Que arranjos do Lincoln Olivetti (estava sumido ele, muito bom vê-lo ressurgir em tão grande estilo)! Não era igreja, mas tocou no espírito. Não era jingle, mas deixou sua marca.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Baseado em fatos natalinos reais


UM GARFO DE NATAL.


Restos de peru, tender, bacalhau, três saladas pra amenizar a culpa calórica, arroz, farofa… pratos sujos sobre a toalha vermelha, ornada de estampas natalinas e salpicada de guardanapos de papel igualmente temáticos.

Na sala, as músicas de sempre, as recordações de outros natais com menos ausências a lamentar e mais infâncias a festejar. O imaginário goleando a realidade, desnudando um Papai Noel que não desgruda da alma, mas esfrega na cara sua inexistência. Natal com poucas crianças, muitas lembranças, palavras calculadas, preservando um equilíbrio familiar a duras penas conquistado. Nada que desperte mágoas, levante lebres, quebre o que restou de mágica.

As mulheres agitadas no suprimento de uma fome que não há. Os homens esparramados em poltronas e piadas requentadas. Os idosos resmungando, rindo do que não ouvem e cochilando. Os jovens teclando mensagens no celular. As poucas crianças entretidas com jogos eletrônicos e com a contagem dos minutos que faltam para a meia-noite, quando serão distribuídos os presentes .

Num gesto de solidariedade à mulher que se esfalfa para trazer a segunda leva de guloseimas, estrelada por rabanadas, castanhas, panettones, tortas, nozes, avelãs e frutas suficientes para acabar com a fome na Etiópia, um dos homens se levanta. Sua indumentária, adequada ao calor de trinta e tantos graus, sublinha o absurdo do tradicional cardápio importado do inverno europeu. Veste bermuda, calça sandália de couro, quase inteiriça, com raras frestas a ventilar o peito do pé e uma generosa tira de sustentação sobre o calcanhar. Quer fazer bonito, marcar um ponto com a patroa, catando uns pratos usados com talheres em cima para levá-los à cozinha, onde o calor é dez vezes maior. Dentre os talheres, um garfo, até então despercebido. Quem presta atenção a um garfo em qualquer festa? Fala-se da faca que corta mais ou menos, da colher que, dependendo do tamanho, melhor atende ao volume de arroz ou de molho que se propõe a transportar. Mas o garfo, especialmente no Natal, onde luzinhas piscam na árvore vaidosa, travessas e baixelas arrebatam os olhos, e vermelhos, dourados e verdes competem por todos os lados, pobre garfo, ninguém o percebe. Injustiça, ingratidão, falta de caridade. Aquele garfo desprezado viajara a uma das bocas ali presentes mais de trinta vezes, tinha segurado os pedaços de carne para que a faca pudesse trabalhar, tinha transitado entre lábios, dentes e língua com a classe que dele se esperava, e trafegava agora todo babado, sobre um prato gosmento, a caminho da pia, com escala na máquina de lavar louça, de onde seria recolhido à gaveta dos talheres de festa, provavelmente até o próximo Natal. Era um garfo de festa, inoxidável, anatomicamente planejado, peso perfeito, curvas exatas, sendo tratado como utensílio vulgar. Sentindo-se condenado ao ostracismo e ofendido em sua dignidade, ele desliza até a borda do prato, vislumbra os pés de seu condutor lá embaixo e, consciente dos poucos passos que restam entre a sala e a cozinha, precipita-se com ânimo vingador num mergulho quase suicida. Pontaria perfeita. Encaixou um dente na única fresta da sandália, perfurando cirurgicamente o peito do pé esquerdo do canalha que o ignorava.

Ops! Uma pontada desagradável fez o homem perceber que algo atingira seu pé. Viu o garfo no chão. Olhou para o pé, notou uma gotinha de sangue, e comentou, com quem pudesse ouvir, a ocorrência do pequeno acidente. Envergonhado com sua falta de jeito, conferiu o que ainda se equilibrava sobre o prato e respirou aliviado ao constatar que nada além daquele garfo ridículo havia escapado de suas mãos. Ao retornar os olhos ao pé, a gota de sangue se transformara em filete. Pediu ajuda. Deu mais um passo, traçando um rastro vermelho sobre o piso de mármore impecável. Repetiu o pedido de ajuda já chegando à cozinha, onde as mulheres mal lhe deram ouvidos.

- Furei o pé. Tá sangrando!

Uma das mulheres correu com um guardanapo de papel para acudir o chão, antes que aquele sangue o manchasse para sempre. O ferido se apressou em descalçar a sandália, nova ainda, que já se empapava de sangue. A essa altura, pequenos esguichos denunciavam que uma artéria havia sido atingida, sentença proferida pelo médico homeopata, cuja visão do sangue alheio costumava produzir desmaios, e, sendo seu irmão o paciente em questão, aumentavam exponencialmente as chances de terem mais um marmanjo para acudir naquela noite. Desesperançadas com a salvação imediata do piso ante o repentino chafariz hematológico, as mulheres correram em busca da gaze que ninguém encontrava, do algodão quase inexistente numa caixa amassada e do esparadrapo amarelado de tão velho. Todos os participantes da festa se aglomeraram na cozinha. Alguém sugeriu um band-aid, provocando risos nervosos nos que imaginaram o pequeno curativo se afogando naquele simulacro de poço de petróleo. Um voluntário saiu da dispensa com um frasco que julgava ser de algum antisséptico, sem notar que se tratava de um descongestionante nasal. Uma toalha!, gritou uma voz não identificada. A dona da casa correu ao banheiro com o irmão médico, onde reviraram as gavetas decidindo se tal toalha seria nova demais, ou clara demais, e, na falta de uma toalha vermelha, acabaram agarrando uma branquinha mesmo. De volta ao local onde o ferido já sangrava e suava em bicas, o irmão médico, desviando o olhar e controlando o fôlego para não cair desmaiado, começou a fazer pressão no ferimento com a gaze finalmente encontrada. Parecia não funcionar. Sobre a gaze enrolaram a toalha branca, continuando a pressão sem a visão desagradável do que se passava naquele vazamento rebelde. Melhor levá-lo ao hospital, sugeriu o médico. O ferido olhou para o relógio. Quase onze da noite, ia estragar a festa de vez. Mas a autoridade do irmão médico era indiscutível. O irmão mais novo se ofereceu para pilotar o carro. Os três irmãos se puseram em marcha, dois andando e um saltitando até o elevador. A sobrinha mais nova gostou da novidade e queria ir junto, dizendo adorar hospital. Mãos providenciais a arrancaram do elevador.

Rápida operação de embarque na garagem do prédio, e puseram-se em marcha.

No caminho, pé para cima, polegar apertando a artéria. Quinze minutos de um trânsito pra lá de benevolente e chegaram à clínica, onde o plantão era um sossego só. Checado o plano de saúde e preenchida a papelada, acrescentou-se ao bolo de pano em torno do membro perfurado a meia que o irmão médico retirou do próprio pé.

À bordo de uma cadeira de rodas providenciada imediatamente pela recepção da clínica, ingressou o paciente na enfermaria, seguido pelos dois irmãos, ostentando um pé esquerdo digno de elefantíase.

Retiradas todas as camadas de tecido, o único sangue que restava era o ressecado em torno do pé. Do furo original nenhuma gota saía. O plantonista, com indisfarçável frustração, apenas disse que a pressão durante o deslocamento produzira o efeito desejado. A artéria parou de jorrar, o ferimento secou, e tudo o que restava a fazer era uma faxina no pé agora amarronzado de sangue seco.

Chegaram de volta antes da meia-noite. Contaram e recontaram o que aconteceu na clínica, riram da situação, fizeram as piadas possívels, recordaram as reações estapafúrdias no alvoroço da cozinha, comeram mais um muito, e redescobriram o sabor do convívio natalino.

à meia-noite, distribuíram-se os presentes, trocaram-se cartões e palavras de afeto. Às duas, começaram as despedidas. O aparelho de som tocava Noite Feliz. Todos pareciam cansados, mas, sob várias camadas de um tecido invisível, emocionalmente revigorados.

Misturado aos outros talheres na lavadoura de louça, um garfo orgulhoso sorria com seus quatro dentes arreganhados. Sua proeza seria lembrada por muitos anos como o ponto diferenciador daquele Natal.

domingo, 11 de dezembro de 2011

A dedicatória de Luiz Ruffato


Fui ao lançamento do livro.
Adoro o trabalho do Ruffato, que comecei a admirar pelo Inferno Provisório, antes mesmo de conhecer o premiado "Eles eram muitos cavalos".
Lá estava ele na mesinha da Argumento, esbanjando o estar de bem com a vida que sua mineirice, residente em São Paulo e acariocada pela opção de ser flamenguista, revela em sorrisos fartos, descontração e gosto pelo papo informal. Brindava com especial atenção cada integrante da fila de autógrafos. Puxava conversa, lembrava episódios, tirava fotos... altíssimo astral.
Chegada minha vez, não foi diferente. Falamos até do gol de falta do Ronaldinho Gaúcho por baixo da barreira no histórico jogo contra o Santos. E ao final das risadas e sacaneadas num vascaíno que também estava na fila, o mestre sapecou sua dedicatória no meu exemplar.
Saí da fila feliz e fui ler o que ele havia escrito. Era um texto de 5 linhas, nenhuma delas contendo uma palavra sequer que respeitasse os mais básicos critérios legibilidade. Não entendi lhufas, mas deu-me o que pensar. Imediatamente lembrei de uma senhora que pouco antes havia retornado para pedir-lhe que lesse o que escreveu. Decididamente, não era de visão o problema daquela senhora.
Pensei se não seria uma estratégia brilhante para escapar do suplício de criar dedicatórias nesse tipo de evento, cada um querendo um texto especial do autor que luta contra dores no punho e falta de ânimo pra bancar o repentista. Rabisca-se algo ininteligível, o destinatário imagina o que quiser e todos ficam felizes para sempre. Podia ser também um recurso estilístico, gerando certo mistério em torno de dedicatórias indecifráveis.
Seja lá o que for (talvez nada mais que uma vocação para a área de saúde que lhe tenha premiado com letra de médico), a dedicatória marcou. Quem sabe não é conceitual? Para um livro chamado "Domingos sem Deus", nada mais sensato do que escrever torto por linhas certas.
Esse Ruffato é gênio mesmo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O que é fazer a coisa certa.

A questão do certo ou errado sempre aparece na vida da gente e, por mais que soe corriqueira, muitas vezes nos surpreende, incomoda, levanta dúvidas, sacode a consciência.
O filósofo Michael Sandel sabe mexer com esse assunto, apertando os botões perturbadores de nossa ordem interna com seu livro "Justiça. O que é fazer a coisa certa". E o faz através de perguntas bem colocadas, levantando hipóteses que se complicam gradativamente até que nos vejamos em encruzilhadas dramáticas, que se aplicam a situações paralelas mais comuns a partir do momento que desvendam os fundamentos de nossos critérios de justiça. Encruzilhadas que, acima de tudo, dão o que pensar. E como faz falta parar para pensar.
Escrevendo de um jeito informal, espelhado nas concorridíssimas aulas que ministra em Harvard, o professor Michael nos brinda com um senhor livro.
Em tempos carentes de ética como os nossos, é uma bênção ver tema tão relevante sendo tratado de forma tão competentemente comunicativa.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O acontecimento nos espera - sempre.

O título deste post estava no facebook. Quer dizer, estava num livro. Quer dizer, estava num livro extraído do facebook: faces, de Livia Garcia-Roza.
Mal nasceu, a rede social mais famosa do planeta já virou literatura. Segue o ritmo da twitteratura, também impressa em papel como num click. Segue o ritmo do nosso tempo, cada vez mais curto, inquieto, ansioso, sedento de conteúdo. Lindo isso! Tecnologia e literatura lado a lado, uma brincando no espaço da outra, experimentando a elasticidade dos limites (se é que eles existem), se complementando e reforçando na reciprocidade que só a convergência viabiliza.
Encontrei no "faces" de Livia momentos iluminados, ideias profundas como "o amor é o melhor tempo perdido", "nos tornamos jovens muito tarde", "angústia é a expressão máxima do nada" e "é na imaginação do leitor que o livro acaba de ser escrito". Uma obra de leitura prazerosa e rápida, que permite pausas de reflexão longuíssimas, ou não. Cada um lê do seu jeito, digere como lhe der na telha, mas não escapa de pensar.
Faz lembrar de Hemingway que, desafiado a escrever uma história com apenas seis palavras, criou a pérola: "For sale. Baby shoes. Never worn."

domingo, 20 de novembro de 2011

Liev Tolstói, além da literatura



Um novo Tolstói acaba de chegar. A notícia está em todos os cadernos literários. Guerra e Paz, pela primeira vez publicado no Brasil com tradução direta do russo, feita por Rubens Figueiredo. Livrão, literalmente falando, exatas 2536 páginas. Uma obra ímpar, que atravessa gerações sem perder a majestade.
Mas o que mais me encanta é o autor, ele próprio seu mais rico personagem.
Depois de se tornar célebre a ponto de sua casa virar centro de peregrinação de escritores do mundo inteiro, Tolstói entra em crise existencial, funda um movimento filosófico quase religião, começa a questionar a importância de ser escritor, abre mão de seus direitos autorais, bate de frente com a mulher com quem foi casado por mais de 4o anos, combate a propriedade privada... vira sua vida de pernas pro ar.
Embalado pela notoriedade da nova edição de sua obra mais emblemática, fui em busca do que o cinema tem a dizer sobre ele, e descobri "A Última Estação". Filmaço, baseado num livro de Jay Parini sobre o momento mais conturbado da vida do grande escritor. Muito bem dirigido por Michael Hoffman, mostra-nos Christopher Plummer numa caracterização e interpretação de encher os olhos. Aliás, o elenco como um todo (destaques para Helen Mirren, Paul Giamatti, Anne-Marie Duff, Kerry Condon e James McAvoy) está impecável.
Vale a pena ver o cara que disse pérolas como "Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia" e "Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo", ultrapassando todos o limites da literatura, e atingindo um grau de importância histórica que provavelmente nem ele, com o toda a sua criatividade, conseguiria imaginar.

sábado, 12 de novembro de 2011

Um pouco de loucura para manter a lucidez

"Na vida às vezes a gente tem que escolher entre esmurrar a ponta de uma faca ou se deixar queimar no fogo", disse Rodrigo de Souza Leão em seu livro "Todos os cachorros são azuis". Escritor, jornalista e músico, Rodrigo sofreu um surto de esquizofrenia que o manteve trancado em casa por 20 anos, passou a exercitar a pintura, acredito que também com objetivos terapêuticos, e morreu prematuramente, internado em uma clínica psiquiátrica, de forma misteriosa, tendo acrescentado ao seu currículo de manifestações artísticas o título de pintor.
Estive na abertura da exposição de sua obra no MAM do Rio de Janeiro, quarta-feira passada. O título não podia ser mais coerente: "Tudo vai ficar da cor que você quiser". Livre, leve e lúcido. Até a forma como a exposição foi custeada, através de crowdfunding, crava uma mensagem instigante na cabeça da gente (como a bomba que o autor imaginava implantada em seu crânio). O que seria de nós sem a loucura? O que seria de nossa trajetória sem uma manobra radical de vez em quando? Linear, acomodada, monótona, desemocionante.
Vendo vários artistas no evento, dentre eles Cauã Reymond, que vai adaptar pro cinema um dos livros do Rodrigo, foi imediata a conexão entre idealismo, criatividade e coragem para alterar o status quo. Veio à mente a imagem do prisioneiro do "Expresso da Meia-Noite" andando na direção oposta aos demais prisioneiros, veio Raul Seixas ficando com certeza maluco beleza, e pintou um sorriso mutante, apaziguador, garantindo que mais louco é quem me diz que não é feliz.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O que você está lendo? Thalita Rebouças cita meu livro na Vejinha

Thalita Rebouças

O Atirador de Ideias, de Adilson Xavier (Best Seller). A obra faz uma reflexão sobre o processo criativo com um texto que aborda questões como a migração de nordestinos para o Sudeste, o aprendizado informal das ruas e o surgimento das ideias. O personagem José Espínola dos Santos, apesar de não ter educação formal, se desenvolve intelectualmente com as experiências que vive no Rio de Janeiro. Assim, ele cumpre a profecia do pai, que depositou no nome Espínola, que não é da família, a esperança de ver seu filho se diferenciar dos demais.

domingo, 6 de novembro de 2011

Café da Manhã, Cronópios, Dulcinéia Catadora e um Sérgio por acaso costurando tudo

No café da manhã com uma importante jornalista, falando sobre grandes nomes da publicidade brasileira, surgiu o Sérgio Graciotti. Onda anda? O que tem feito? Nunca mais ouvi falar dele. Era um dos monstros sagrados da criação...
No fim da tarde, vou gravar um webcast com o Pipol da Cronópios. Ideia alternativa, criativa, viva, quantos ivas! Fala-se de tudo um pouco. Como é feito, quem participa, quem conhece ou desconhece, e lá vem ele de novo, o Sérgio Graciotti, com quem o Pipol mantém remoto contato. Caramba, falei dele hoje de manhã!
Terminada a gravação, recebo de presente um livro do projeto H2horas. Tempo fluído, literatura artesanal com fundo social, em conjunto com o coletivo Dulcinéia Catadora, reciclando papelão, cumprindo seu papel e, como conteúdo, textos dos frequentadores digitais do Cronópios. Um dia perfeito, alto astral, altos papos.
Abro o livro que ganhei e entre os textos que o recheiam, lá está o Sérgio de novo, um cara de quem eu não lembrava há um tempão, com quem nunca conversei, que foi um dos meus ídolos quando eu começava na carreira, bem ali naquele livrinho exemplo de resistência cultural, e curiosamente falando sobre um tema que parecia de encomenda. Eu, hein!

"O acaso é feito de pequenos dentes,
Imperceptíveis ganchinhos, fiapos,
Gotinhas de óleo ou de água,
Penhascos, cola, engrenagens,
Ventos, tráfego e viagens.
Não existe acaso, ou existe?
Será a nossa incapacidade de percebê-lo
Que só nos mostra aquilo
Que seja maior que um pelo?"

(Sérgio Graciotti)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Pelé, Zico e arte de encantar os estádios



Um amigo me enviou esta foto. Amigo desses raros, foto não menos rara.
Houve um tempo em que o futebol era mágico, fazia a gente ficar de pé e se alvoroçar cada vez que um dos gênios recebia a bola. E havia gênios pra todos os gostos, encantando os estádios com seus toques, suas arrancadas, sua elegância deslizando sobre a grama ou amortecendo a redonda mesmo que ela chegasse quadrada. Seus dribles, pinçados de um vasto repertório, pareciam ser inventados diante de nós, eram como reflexos, irracionais, instintivos, mas ao mesmo tempo planejados em algum compartimento sigiloso da alma. E marcavam gols inesquecíveis, e se comportavam com dignidade dentro e fora de campo, e podiam ser tomados como exemplos...
Por que esse papo agora? Sei lá. Vi a foto, e imediatamente a palavra futebol me remeteu à arte.
Valeu, Beto!

domingo, 30 de outubro de 2011

Chico Buarque na capa da Rolling Stone

Quando o cara é gênio, até entrevista fica brilhante.
Tá lá nosso querido compositor / escritor brilhando na Rolling Stone, edição comemorativa dos 5 anos da revista, com uma entrevista de encher os olhos. Palmas também para o entrevistador Paulo Terron, claro.
Lá pelas tantas, perguntado sobre os efeitos da idade, ele responde: "Eu lido muito bem com isso, inclusive porque eu nem acredito que seja velho (gargalhadas)! Nem acredito que vá ficar velho um dia. Então dou risada. Outro dia, descobri que fiquei mais velho que o Vinicius de Moraes. Daí eu estava jogando futebol e tinha um garoto de 20 anos, que me deu um carrinho em campo molhado. Me acertou o tornozelo. Fiquei puto: "Moleque de merda!" E daí a pouco fiquei orgulhosíssimo: ninguém daria um carrinho desses no Vinicius. Ninguém (gargalha)! Nem no Tom (Jobim). O Tom se foi com a minha idade, 67."
Um sujeito com esse astral e com a inspiração que todos nós conhecemos, vai envelhecer como?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Meu prefácio para "David Ogilvy: A origem da publicidade moderna", livro de João Renha

Prefácio.

O título deste livro não faz jus ao seu conteúdo.

Por favor, não entendam minha frase de abertura como uma acusação de falha do autor, talvez da editora, um caso de propaganda enganosa ou coisa do gênero. Nada disso. O livro tem, sim, seu lado didático: diretrizes, normas, listagens etc. Mas não para por aí, vai muito além. Ao percorrer suas páginas, o leitor não encontra apenas a trajetória profissional de David Ogilvy somada a um punhado de teorias. Ele passeia pelos pilares da publicidade, percebe como tudo começou, vê de perto os monstros sagrados que lançaram os alicerces de uma história que se desenrola até hoje.

Não por acaso, a primeira parte do livro se intitula “Caminhando entre gigantes”. Fala de Claude Hopkins (precursor da Unique Selling Proposition), Raymond Rubicam (fundador, junto com John Orr Young, da famosa rede mundial de agências, Young & Rubicam), John E. Kennedy (criador do conceito de “reason why”) e outros habitantes do Olimpo, que inspiraram David a ponto de fazê-lo afirmar, por exemplo, que “Hopkins tecnicamente foi o mestre supremo. É o pai da publicidade moderna”. Mais do que caminhar entre gigantes, David nos mostrou que seguiu o ensinamento de Isaac Newton quando este, parafraseando Bernard de Chartres, confessou: “Se eu tenho enxergado mais longe é só por ter subido nos ombros de gigantes” (tradução livre).

“Standing on the shoulders of giants” é, a meu ver, a melhor expressão do contínuo processo de aperfeiçoamento humano, expressão, aliás, já utilizada como título de livro pelo publicitário e professor alemão, Hermann Vaske, que nos apresenta uma coletânea de conversas com alguns dos mestres da publicidade atual. Nada mais eloquente para provar o poder da ideia bem formulada do que uma expressão nascida no século XII, reforçada no século XVII, e ainda tão relevante no século XXI que se tornou, além do título do livro de um alemão, o nome do quarto álbum de um grupo de rock britânico, Oasis.

David subiu nos ombros de outros gigantes para conquistar sua invejável estatura, e João Renha nos convida a escalar esse totem de grandes nomes, buscando nas entrelinhas de seu texto a essência do seu legado. Mostra-nos, de saída, um traço comum a todos eles: o gosto pelo trabalho constante, árduo, até altas horas, beirando a insanidade quando Ogilvy afirma adorar os domingos porque nesses dias podia trabalhar sem ser interrompido. Mostra-nos que esse workaholic brilhante teve origem humilde, lutou bravamente por um lugar ao sol, foi vendedor, assistente social, fazendeiro e pesquisador, até descobrir que tinha talento para a publicidade, só se definindo profissionalmente depois dos 38 anos. Mostra-nos que é possível ir longe, mesmo que começando tardiamente, desde que não se tenha medo de ousar, nem preguiça de ralar.

Quando uso os verbos passear e escalar ao me referir à leitura deste livro, faço-o para sublinhar a leveza do texto e o prazer que ele proporciona. João Renha soube transportar o melhor de sua herança de redator publicitário para o ofício de escritor. É sutil, porém enorme, a diferença entre redator e escritor. Mas quando esses dois talentos se potencializam, o resultado é simplesmente delicioso.

Cá entre nós, discordo de algumas crenças de David Ogilvy. Respeito muitíssimo sua obra, mas rejeito sua obsessão pela cientificidade, seu encanto pelas pesquisas. Prefiro o enfoque oposto, de Bill Bernbach, defensor ferrenho da originalidade como mola-mestra da publicidade. E adorei ver esse conflito de convicções presente no livro, não só pela forma como ele é colocado, mas principalmente por revelar a elegância de David ao lidar com o antagonismo. Tão raro hoje em dia ver alguém reverenciando e elogiando seu oponente. Que lição!

Esta é a palavra-chave, lição. Há um momento em que o livro trata das lições deixadas por seu personagem título. Mas não é só ali, na parte 2, que elas se encontram. As lições desta obra de João Renha estão por toda parte, e muito mais ricas do que faz supor uma capa que fala em teorias publicitárias. São lições práticas de como lidar com as dificuldades do dia-a-dia, abraçar uma profissão apaixonadamente, e presentear a posteridade com realizações que o tempo não corrói. São lições de vida, que só os mestres podem dar.

Obrigado, professor Renha. Por este livro que é maior do que o título, por esta aula que vai além das páginas.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Zapeando na tv dei de cara com o quinto Beatle




Ok. Sou fã de carteirinha dos Beatles e houve quem criticasse meu outro post sobre a maior banda de todos os tempos, por não ter declarado isso expressamente. Tá declarado.
Mas apesar desse interesse pessoal pelo tema, ainda não tinha visto "Backbeat", um filme anglo-germânico de 1994, dirigido por Iain Softley, que trata do período da banda em Hamburgo, e tem como personagem principal seu baixista original, Stuart Sutcliffe. Na época (1960/62), os Fab Four eram five (parecido com os Três Mosqueteiros, que eram quatro), o bateirista ainda era o desafortunado Pete Best, e Paul MacCartney tocava guitarra. Fica evidente que Paul não gostava da performance do Stuart, assim como não curtiu muito o filme, apontando imprecisões históricas no roteiro.
Independente disso, foi ótimo acompanhar a passagem deles pelo Kaiserkeller, uma espécie de Cavern Club hamburguês, e ver o papel importante que a fotógrafa Astrid Kirchherr desempenhou na imagem do grupo. Foi ela quem documentou a fase alemã daqueles moleques britânicos (o George chegou a ser deportado por enganar a idade e tocar na noite com 17 anos), foi ela quem bolou o primeiro corte de cabelo que virou marca registrada, e foi ela quem fez o quinto Beatle se apaixonar e abandonar tudo pra ficar namorando na Alemanha. Mal sabia a musa, que o pobre Stuart morreria meses depois de tomar essa decisão, de hemorragia cerebral, consequência de uma surra levada bem antes quando se meteu numa briga junto com John Lennon.
Esse lado brigão, desajustado e lider do John também está presente na história. Mas é apresentado de forma bem mais interessante em outro filme: Nowhere Boy, traduzido no Brasil como "O Garoto de Liverpool". Produção anglo-canadense de 2009, que lida com o período anterior à viagem pra Hamburgo, mostra a fundação da banda precursora de tudo, The Quarrymen, foca obviamente em Lennon e descreve de forma emocionante o encontro com Paul. Um dos grandes baratos do roteiro é que em nenhum momento a palavra Beatles aparece.
Haja história! E são todas ótimas, tanto que os caras entraram definitivamente pra história.
Em Liverpool, onde estive este ano e pode-se respirar Beatles o tempo todo, existe uma escultura de bagagens dos mais famosos filhos da cidade, dentre elas, dois cases de contra-baixo bem próximos um do outro, o de Paul e o de Stuart. Uma curiosidade é que ainda tem muito fã do Pete Best por lá, gente que ainda insiste em torcer o nariz (logo o nariz) pro Ringo Starr.

sábado, 22 de outubro de 2011

Jô Soares e valter hugo mãe se encontram na tabacaria de Fernando Pessoa


Pra que ninguém erre de endereço, a tabacaria é de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. Falo do famoso poema, claro. E do personagem singular que por ali passa, o Esteves sem metafísica.
No momento em que estou lendo o excelente "a máquina de fazer espanhóis", do valter hugo filho da mãe, que me fez chorar na Flip (sim, eu fui um dos muitos) com sua declaração de amor ao Brasil, vejo anunciado na imprensa o lançamento do novo livro do Jô "As Esganadas", e descubro que existe um personagem comum aos dois livros. Exatamente ele, nosso amigo Esteves. No livro do emocionante gajo das letras minúsculas, o Esteves vem com o poema no currículo, tornando-se célebre no asilo onde se desenvolve a trama por ter sido citado naquela obra prima.
Já no livro do Jô, o Esteves entra em cena como um inspetor da polícia portuguesa, que promete ser muito engraçado. Como não seria? O livro é do Jô.
O fato é que achei bacana essa coincidência em trabalhos de dois autores tão diferentes quanto admiráveis. Especialmente por estarem coincidindo sobre outro trabalho de outro autor que, como diriam seus conterrâneos carregados de sotaque, está a desmoralizar o poder dos adjetivos.
E ainda há quem acredite que o Esteves não tem metafísica.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Medianeras y Un Cuento Chino - histórias com endereço certo


Dois filmes que podiam ser literatura. Um deles até se chama conto. Ambos falam da dificuldade de comunicação entre as pessoas. E da solidão.
São românticos, divertidos, leves, gostosos e, acima de tudo, histórias muito bem contadas. Como, aliás, os argentinos estão se especializando em fazer.
No Conto Chinês, além da brilhante interpretação de Ricardo Darín (mais uma entre tantas), do roteiro cravado e da direção na medida, salta aos olhos a informação de que o filme é baseado em fatos reais. Como assim, se ele já começa com uma cena surreal? E aí está a ideia: a vida real é mais surreal do que supõe nossa vã filosofia. Algo tão dramático, quanto cômico. Uma contradição que dá excelentes frutos, e combina perfeitamente com o engraçado mau humor do protagonista.
Medianeras também tem sua dose de mau humor. Fala mal de Buenos Aires, detona sua arquitetura, maldiz o estilo de vida que se leva por lá, e o faz de maneira divertidíssima. Que texto bem transado! Que personagens verdadeiros!
O que se destaca nos filmes argentinos é que, antes de bem filmados (palmas para Sebastián Borentzain e pro estreante Gustavo Taretto), são muito bem escritos. Tem cultura acumulada de um povo que lê muito, sensibilidade para os temas que cutucam nossa alma, simplicidade e muita modernidade no que eles fazem.
Quando os personagens Mariana e Martin, de Medianeras, produzem em cena um filme para o Youtube, não tive dúvida de que encontraria aquela postagem na rede. Conferi, e não deu outra. Estão lá os dois mostrando pra todo mundo que "Ain't no mountain high enough" quando se manda a mensagem certa direto pro coração do público.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

There are places I remember



Há lugares que devem seu significado à literatura, à poesia, à música.
Liverpool é um desses lugares. Significaria muito pouco se não fôssem seus quatro filhos mais ilustres. Uma cidade bonitinha e bem arrumadinha, que de repente virou mítica. Quem viveu o impacto da Beatlemania sabe do que estou falando.
Só em Liverpool uma via pública sem nada especial, como Penny Lane, ganharia notoriedade. E sua Barber Shop se tornaria ponto turístico.
Só em Liverpool um orfanato abandonado, do qual só restam muro e portão, seria cultuado, simplesmente porque na placa que o identifica lê-se "Strawberry Fields".
Só em Liverpool a discreta sepultura nos fundos de uma igrejinha merece ser fotografada, não porque ali está enterrado algum personagem histórico, mas pelo fato de abrigar os restos mortais de uma tal de Eleanor Rigby.
Ah, como ficam mais bonitas as músicas quando conhecemos suas histórias!
E no meio de tantos marcos musicais dessa cidade (en)cantadora, destaca-se um clube apertado a exigir vários degraus de descida às centenas de peregrinos que o visitam diariamente. Só porque ali estão algumas relíquias da banda mais revolucionária de todos os tempos. Só pelo prazer de estar onde tudo começou.

Concerto para arrombadores e orquestra

The Orchestrated Heist

O sincronismo entre performance de música clássica e cenas de ação já rendeu momentos antológicos ao cinema. De todos os que eu vi, este é o que vai mais fundo.

sábado, 8 de outubro de 2011

A Vendedora de Fósforos ilumina e aquece

O novo livro de Adriana Lunardi fala de família. Uma família que se muda com frequência e tem hábitos pitorescos como o que dar nomes muito particulares a pessoas e coisas, a ponto de exercitar essa capacidade em singelos rituais onde, por exemplo, um menino é aclamado por batizar um penico de Duchampipi.
Extremamente sensível, destaca a forte relação entre a narradora e sua irmã, e nos surpreende com poesia nas situações mais cotidianas. Altas doses de sensibilidade aspergidas sobre personagens que vivem num ambiente que estimula a imaginação, ideal para o nascimento de centelhas criativas.
Só pra dar uma palhinha, tem um diálogo na página 50 (durante uma das mudanças residenciais da família) que nos leva a concluir que "tudo na vida é provisório, exceto a infância". Certeiro, né?

A história de quem conta a história conta


Um personagem condenado à morte tem sua pena comutada pertinho da hora derradeira. Em vez de morrer, é submetido a trabalhos forçados. Cumprida a pena, casa-se. Perde a mulher. Casa-se de novo, perde um filho de 3 anos. Como se não bastassem tantos baques e outras perdas que alongariam desnecessariamente a descrição de seus suplícios, ele sofre de epilepsia. Fazer o quê? Escrever, ora. E tornar-se um dos maiores escritores de todos os tempos.
Fiódor Dostoiévski viveu como um personagem de seus livros, sofreu na carne as dores que descreveu, e trouxe da vida real para as páginas alguns de seus mais marcantes personagens. Dmitri Karamázov, por exemplo, foi inspirado em Dmitri Ilinski (até o nome foi preservado), acusado de parricídio exatamente como acontece nos Irmãos Karamázov.
Se o livro já é brilhante por si só, com essas informações adicionais sobre o autor e suas fontes de inspiração, ele se torna irresistível.
É a força da história por trás da história. Quanto mais, melhor.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Se deixar uma brechinha pra censura...

DESPERTAR É PRECISO

Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.

Vladimir Maiakóvski

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um Conto

Café.


Saiu de casa bem cedo. Consulta marcada, coração na mão, alma pesada. Será desta vez? Deus queira não seja. Não foi. Alívio, leveza, coração nas nuvens, alma lavada. Esperança de volta, alegria de volta, planos de volta. De volta pra casa, sem pressa, a pé. De repente, passeio. Merece um café, encorpado, cheiroso, não quer um qualquer, só aquele Café, com letra maiúscula, bem plantado, torrado, cuidado, das raras ocasiões especiais, duas vezes sorvido, antes, apenas. Que pena, cafeteria fechada, ainda. Cedo demais, fica pra outra. No caminho tem outras. Choveu, ventou, trovejou, molhou, se abrigou, bendita marquise. Estiou. Seguiu seu trajeto. Um novo café, alguns passos à frente, vontade aumentada, mas nada. Cheio demais. De onde vem tanta gente? Não quer esperar, já perdeu tanto tempo, a chuva, a marquise, as poças, a lama, enfim, tudo bem. Adiante tem outro, hoje em dia são tantos. Não valeu a pena. O café de adiante era fraco demais pra quem quer celebrar, tinha um outro na frente mais perto de casa, esse sim, à altura dos fatos, brindáveis, saudáveis. Passou por vitrines, distraiu-se com as modas, sorriu para o guarda, deu esmola ao pivete, esbarrou numa dona lotada de compras. Desculpe o atropelo. Sorriso amarelo, já ia passando, voltou pro café, mas pra quê? Tão perto de casa, melhor ir em frente, já viu tanta coisa, curtir seu cantinho também pode ter um bom gosto de festa.

Chegou em casa bem tarde. Cabelos já brancos, a pele enrugada, coração no chão, alma penada. Quem sabe um café? Melhor não abusar. Água no fogo, um chazinho e olhe lá.

Um Desconto

Circo.


O romance da mulher barbada com o engolidor de espadas despedaçou-se, quando ela se depiilou em particular e ele se engasgou em público. Péssimo para eles e para toda a comunidade, que já não tinha mais sobre o que fofocar. Mas nada comparado ao palhaço perdendo a graça. Aquilo sim foi triste, quase tanto quanto a mansidão repentina do leão, a anorexia do elefante, o tombo histórico do trapezista, ou a revelação dos truques de Merlin. Queda após queda, efeito dominó, parecia o fim do mundo. Restava apenas uma pequena esperança. Foi quando o anão começou a crescer que todos se renderam às evidências. Fazer o quê? É a vida.

domingo, 2 de outubro de 2011

O prazer de provocar

"A fantasia é a sustentação do desejo." (Lacan)

"Não faz mais sentido falar em vigilância (nem combatê-la, nem denunciá-la, o que não significa que ela não seja mais eficaz que nunca) numa sociedade tautológica, de autoexposição voluntária.
A transgressão foi anulada pela banalização do consentimento coletivo. É como se toda a sociedade de repente fizesse a passagem de que fala Freud, da atividade do voyeurismo para a passividade do exibicionismo." (Bernardo Carvalho)

Aprofunde-se o cruzamento dessas raízes psicológicas e encontraremos os decotes, as saias rodadas, o Big Brother, as revistas de celebridades e as janelas indiscretas, todos juntos cutucando imaginários, alimentando fantasias, emulando transgressões.

sábado, 1 de outubro de 2011

O prazer do percurso

Ler é uma viagem (frase clichê). Viagem é tudo de bom. Não necessariamente o destino final, mas a própria viagem. Muitas vezes até a preparação para a viagem, que se passa em nosso imaginário, é melhor do que a viagem de verdade. Ah, a expectativa! Sempre enfeitando as coisas.
Lendo matéria de Ivan Barroso, no Caderno Prosa e Verso do Globo, sobre "O Clube do Suicídio" de Robert Louis Stevenson, me chamou especial atenção o trecho em que ele afirma que "o autor nos vai cada vez mais preparando para um clímax que não se verifica, invertendo o procedimento das narrativas do gênero, de modo que a expectativa do que vai acontecer se torna mais importante do que o acontecimento em si".
Verificar que um autor desse calibre nos envia do século XIX um exemplo de narrativa baseada mais no percurso do que na chegada é um alívio. Acredito que, cada vez mais, as pessoas estão abertas a desfrutar a paisagem do caminho independente de para onde estejam indo. E que até preferem finais abertos às tradicionais histórias arrumadinhas que não lhes permitem imaginar desfechos, participar de alguma forma, abrir a cabeça para diversas possibilidades.
Não é de um cara qualquer que estamos falando. É do autor de "O Médico e o Monstro", que entende bem profundamente os mistérios e conflitos da alma humana.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

E.


José na cama, só de cuecas, braços abertos.
As duas Borboletas da Mídia, uma em cada braço, cabeças aconchegadas nos ombros, lábios, línguas e sussurros alternando-se nos ouvidos. "Meu escritorzinho gostoso", "José E.", Gostei do E.", "Meu herói da bandeja", "Não tem o Zorro que se assina como Z? A marca do Zorro. Então, Zezinho se assina como E."
Despiram-se lentamente, as duas ao mesmo tempo, dançando como nos bares da Vila Mimosa, revelando aos poucos a íntegra de suas tatuagens, pequenas obras de arte na tela exsudante.
As duas maiores tentações da empresa, inteiras sobre ele, mãos generosas, bocas generosas... Generosidade demais pra ser verdade. Não era.

O nascimento da marca.


- Só isso?
- Quanto mais simples, melhor.
- Mas um traço horizontal cruzando com outro vertical não quer dizer nada.
- Desculpe, mas eu acho que quer dizer tudo.
- Lá vem você com filosofia de criador.
- Pra começar, é sinal de mais. Superpositivo.
- Pois a primeira coisa que me lembra é sofrimento, método de execução doloroso, morte lenta.
- Aí é que tá. Contrapondo esse lado negativo a uma visão otimista, a marca mostra uma figura humana de pé em seus traços mais básicos, e ainda por cima, de braços abertos, acolhedora, livre, tão confiante que pode se apresentar indefesa. É também nessa posição que os pássaros voam.
- Quem está voando é você.
- E vou mais longe. Olha bem. É a interseção entre o que é terreno - horizontal - e o celestial - vertical. A eterna dualidade do ser humano-divino.
- Duvido que nosso público entenda isso tudo, ou consiga desenvolver um raciocínio tão elaborado.
- A racionalização fica só entre nós. O público precisa mesmo é sentir, não entender. Se liga nisso: conteúdo nunca é demais, desde que a gente não explique. Quanto mais simples, mais complexo...

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sua grande ideia

Leia aqui dicas para ajudar você a ter sua grande ideia.

1. Exercite o pensamento livre

Tire todos os dias 10 minutos para parar e pensar.

2. Pense escrevendo.

Escrever ajuda a organizar o pensamento e ainda garante que seu lampejo criativo não seja esquecido.

3. Eleja sua grande ideia.

Depois de algum tempo, leia tudo novamente e escolha a melhor ideia para ser desenvolvida.

4. Dê vida a sua ideia.

Coloque a ideia escolhida em prática. Esta etapa é a mais difícil, exigindo muito esforço e trabalho.

5. Faça a manutenção.

Se não acertar na primeira vez, não desista. Descubra quais foram os erros e faça as alterações necessárias.

6. Pratique o olhar de criança.

Seja observador e curioso. Olhe para seu redor como se estivesse conhecendo o mundo pela primeira vez.

7. Alimente seu repertório.

Procure fazer sempre coisas novas, conhecer pessoas, lugares diferente e saber mais sobre qualquer assunto.

8. Mantenha-se informado.

Novas idéias e oportunidades acontecem o tempo todo. Esteja atento a elas.

9. Cuide da sua mente.

Evite os excessos que prejudicam sua mente, como o fumo e a bebida.

10. Acredite em você.

Mantenha-se confiante e acredite sempre na sua capacidade.